terça-feira, 30 de abril de 2013

Há lugares que é bem óbvio de me encontrar... hospitais, asilos, por exemplo. Há lugares a que dificilmente chego. Um deles é em cemitérios.

'Como assim?' Você pode me perguntar... 'como assim? cemitério é o lugar de mortos por excelência'.

Sim.... você acertou é um lugar de mortos... só chega lá, só fica lá quem já está morto. E em quem já está morto eu não preciso chegar... já cumpri minha função, pelo menos, 24 horas antes de os corpos serem levados para o cemitério.

Mas hoje vou dei uma passadinha por lá.

João Pedro almoçou e foi direto para seu compromisso. João Pedro era paisagista. Transformava microespaços em micropaisagens fabulosas.

João Pedro tinha 43 anos, havia se separado há dois meses, sentia-se solitário. 'Definitivamente o homem não foi feito pra ficar sozinho', pensava enquanto dirigia em direção ao cemitério Céu e Paz.

Céu e Paz é um lugar magnífico... é como o Céu... lindo e cheio de paz ... como o próprio Céu. Os corpos que lá estão ficam realmente num lugar de paz.

João Pedro ia pensando em seus dois filhos. Ambos estavam na Europa estudando e João pensou que talvez uma viagem lhe fizesse bem... 'Vou terminar os projetos que estão em andamento e viajo', decidiu de si para si.

No cemitério iria trabalhar no túmulo da avó de um amigo seu. Já havia planejado um lugar prazeroso, belo e com um toque de sofisticação... exatamente como era Vó Marina.

Ao chegar, estacionou o carro, abriu a porta... e sentiu uma leve tontura, palpitação seguida de falta de ar...

Morte súbita é o nome que me dão quando aconteço dessa forma...

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Joana era pesquisadora de uma das melhores universidades nos Estados Unidos. AIDS era o foco de suas pesquisas, há dez anos trabalhava nisso... tinha de encontrar a cura, a verdadeira cura. E ia encontrar.

Já via seu nome em manchetes de jornais, nas melhores revistas científicas... estava tão perto....

Joana nascera na bela Ilha de Santa Catarina... onde agora passava suas merecidas férias.

Segunda-feira, 5 horas, sol nascendo... primeiro dia de férias... ia pra Joaquina surfar... seu esporte predileto. Dos vinte melhores lugares pra surfar, já havia surfado em Byron Bay (Austrália)


www.testosteronasports.blog.br/.../os-20-melhores-lugares-para-surfar/
em Santa Cruz (Califórnia)

www.testosteronasports.blog.br/.../os-20-melhores-lugares-para-surfar/
em Nosara (Costa Rica)

www.testosteronasports.blog.br/.../os-20-melhores-lugares-para-surfar
na Penínsola de Bukit (Bali)


www.testosteronasports.blog.br/.../os-20-melhores-lugares-para-surfar/
em Paia, Maui (Hawaii)



e agora ia pegar onda na Joaquina, sua praia predileta... onde seu amor pelo surf havia começado...



wp.clicrbs.com.br -
Lindos lugares por onde ela passou, surfou... curtiu a vida despreocupadamente.

Joana era do tipo de pessoa quem não se preocupava com o futuro, vivia um dia de cada vez - acho isso de grande sabedoria -; posso dizer que Joana era dessas pessoas que sabe viver.

Vou confessar uma coisa, algumas pessoas são tão fáceis de levar, dão tão pouca importância à vida, que chegar e ver a vida indo embora não me causa nenhum tipo de emoção. Mas há aquelas pessoas das quais penso: 'essa poderia ficar viva por mais um tempinho... ah! se a vida tivesse o poder de me mandar pra outras bandas!!'

Mas a vida não tem poder nenhum. O poder todo está nas minhas mãos, foi-me entregue  e, como boa obreira, faço minha obra... jamais serei chamada a atenção por não ter feito meu trabalho, tampouco por chegar atrasada, nem por chegar de forma errada.

Eu SEMPRE faço o que devo fazer, sempre chego na HORA certa e sempre chego da MANEIRA certa.

Joana pegou o carro de seu pai... e saiu feliz em direção às ondas.

Um barulho estranho no carro... mas ela não percebeu, afinal já fazia um ano que não dirigia o carro do pai... sentiu alguma coisa estranha... mas só pensou 'vixe papai deve ter esquecido de levar o carro pra revisão...' E continuou na direção da Joaquina... descendo o morro da Lagoa... linda Lagoa.

Joana se distraiu olhando aquela paisagem que sempre lhe dava a impressão de ser a primeira vez que estava olhando... já tinha visitado meio mundo, mas nada se comparava à vista do Mirante da Lagoa... chegou a esquecer que o carro estava com um barulhinho esquisito.

Eu tentei avisá-la, no comecinho da decida... o freio do carro não funcionou. Joana deveria estar prestando atenção no carro, na direção, no pedal... não se distrair com a paisagem...

A paisagem engoliu a vida de Joana... eu juro que tentei :(

domingo, 28 de abril de 2013

Sempre sei a hora de chegar na vida de cada um.... como sei disso, posso ficar parada próximo da pessoa que verá a partida de sua vida e a minha chegada observando os últimos instantes de vida que restam pra cada um.

Tenho milhares de histórias de observação... tantas histórias de observação quantas do fim da vida que presenciei. Também tenho histórias de observações de quase morte... quase... não cheguei na pessoa, passei de raspão, passei bem perto, quase me apossei, cheguei a entrar e ver a vida sair por alguns segundos...

Mas...

Quando não é chegada a hora de alguém, não é chegada e fim. Então só observo... passo por perto, dou até um susto na vida, que rapidamente dá as costas à pessoa que a teve... e volta esbaforida, instantes depois, quando percebe que eu estava apenas brincando de tomar conta do espaço... e eu complacentemente sorrio, pisco um olho e digo: 'haha... enganei você.... mais uma vez'.

E a vida envergonhada de ter sido mais uma vez enganada volta com tudo, toma posse do que é seu por direito, luta uma luta imensa e intensa contra mim. E daí e a vez de ela sorrir.

E eu a deixo sorrir... 'sorria - digo eu - sorria, enquanto você tem tempo'.... e penso com meus botões - botões, não.... visto apenas uma imensa capa (da cor que você quiser... deixo por sua conta imaginar), com um enorme laço ao redor do pescoço.... adoro laços... eles deixam tudo mais feminino.... penso com meu laço 'seu tempo terá fim... tão certo como.... aff... não preciso convencer ninguém disso... terá fim e fim.

Você já ouviu algo mais ou menos assim: quem ri por último ri melhor...!?

Sou sempre, eu disse SEMPRE, eu quem ri por último.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Qual é o sentido da vida?

Pra mim, é acabar com ela. É fazer deixá-la de existir, de ser, de estar...

Pra mim a vida é o ar que respiro, é meu alimento, todo meu suprimento.... preciso dela a todo momento, tenho-a constantemente em meus pensamentos.

Respeito-a também... deixo-a seguir seu rumo, aproveitar seus dias... dias completos de vida... deixo-a seguir com sua lida até o momento da própria partida.

Daí eu chego e tomo conta... mas enquanto não é minha vez, é ela no palco, é pra ela que as cortinas se abrem... os aplausos são dela... é pra ela que o Sol nasce e se põe, que a chuva cai, que as estrelas brilham.

Ela é a estrela...

A vida é a protagonista da toda história de vida....

Há quem me considere antagonista...

Mas, isso é outra história.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sofia respirou fundo, na verdade, suspirou fundo. Estava tão apaixonada. Bernard não lhe saia da cabeça.

Havia decidido, hoje falaria com ele. Não importava ser ele casado; ela só precisava um pouco da companhia dele. Ficar ao lado dele, olhar nos olhos, tocar de leve seu rosto, abraçá-lo. Quem sabe um beijo de leve nos lábios?!

Não queria mais do que isso. Sabia que não teria. Sofia conhecia Morgana, a esposa de Bernard.

Ela era linda e inteligente. Tinha 27 anos, já fizera doutorado, falava inglês, francês, alemão e russo. Era médica também. Trabalhavam na mesma clínica.

Nas horas de folga, Morgana era escultora... uma artista.

Morgana e Bernard, juntos, pareciam um só, completavam-se e pareciam felizes... eram felizes, pensava.... Sofia nunca teria uma chance.

E Sofia também não era má, não queria destruir um lar. Tinha princípios, mas estava definhando com sua falta de esperança...

Então havia decidido: falaria com Bernard, diria que precisava dele, precisava passar alguns segundos por dia, pelo menos, com ele.

Um parênteses: Sofia não iria se satisfazer só com isso; você e eu sabemos que não é assim que funciona... mas ela achava que seria assim... e ia agir conforme sua forma de pensar.

Cedo saiu para correr na praia de Copacabana. O movimento já era intenso. A cidade acordara nervosa.

Sofia acabara de passar pelo Hotel Copacabana Palace, sempre se admirava com a beleza do lugar...

Um aglomerado de gente, buzinas, congestionamento, sirenes... um pouco mais à frente, percebeu, um acidente... e pelo jeito, grave...

Não queria parar para olhar, mas, como médica, sentiu-se na obrigação... e se precisassem de auxílio!?

Num primeiro momento não relacionou o Hyundai Tucson prata... mas a placa... ela sabia de cor aquela placa... um corpo no chão, coberto com uma toalha branca. Um homem todo encurvado sobre o corpo, sangue escorria da sua cabeça... as mãos, a roupa... era muito sangue.

Por um momento ela pensou: 'os dois se foram'... mas só por um momento. Ele num esforço tremendo levantou a cabeça, e ela viu uma dor que nunca tinha visto antes.

Abraçou-o... e tremeu... a única coisa que conseguiu pensar foi no que sua avó sempre lhe dizia: 'cuidado com o que você deseja, você pode receber".

terça-feira, 23 de abril de 2013

Londres, frio... muito frio. Os termômetros marcam cinco graus negativos. Neva aqui fora. Um mundo branco, pintado de cinza. Tudo negro, interrompido pelas luzes coloridas que piscam vagarosamente.

Piccadilly Circus... gente, gente que não acaba mais...

Catherine, 23 anos... vaga pelas ruas sozinha. Ela é sozinha desde que se conhece por gente. Pai, mãe, irmãos, tios, avós... claro que tem. Mas não passam de estranhos no ninho.

Tirou as botas e as meias...

Catherine estuda, faz Psicologia. Decidiu pelo curso para entender a vida, entender o ser humano, entender a si mesma... continua não entendendo nada.

'Sinto-me morta desde sempre'... são suas palavras preferidas.

'Drogas... quem sabe possam me fazer sentir viva?' Orgias de comida, bebida, sexo. Só aumentavam sua frustração. Qualquer coisa letal! Situações perigosas... nada tornava a vida real.

Perambulou por Piccadilly... decidiu conferir a estátua de Eros mais uma vez... a última vez.

Jogou aos pés da estátua o cachecol, as luvas, a capa...

Seguiu na direção do Big Bang... esperou até ouvi-lo tocar... a última vez.

Tirou a toca... tirou o blusão de lã...

O rio Tâmisa de braços abertos... há tanta vida no rio. Você já reparou que o rio se renova a cada segundo?

Tirou tudo o que havia sobrado.

Fechou os olhos... um salto e fim...

Quem viu? A London Eye....
O entusiasmo de Andressa era contagioso. Seus colegas de trabalho sentiam-se privilegiados de tê-la como amiga, colega, confidente.

Andressa, professora de Português, trabalha na E. B. Himmel há quinze anos. Amava o que fazia, amava seus colegas, amava seus alunos, amava sua vida. Tinha 37 anos, casada com James, um arquiteto com uma sensibilidade jamais vista... tinham dois filhos, Frederico, de 7 anos, e Ana Carolina, de 5 anos.

Nas férias, viajava... 'ia conhecer o mundo... todo o mundo'... sempre dizia... não deixaria de fora um cantinho sequer. Já estava planejando a próxima viagem: Indonésia... Passagens compradas, hotéis reservados... agora só esperar as férias chegarem.

Novembro... 27... sexta-feira. Lista de recuperação publicada no portal da escola.

Marcos Vinicius... um ótimo aluno, ótimas notas... normal, ou pelo menos era o que se via na superfície. Checou a lista, apenas por desencargo de consciência... sabia, pelas notas dos semestres anteriores, que passaria direto. Seria aprovado sem o stress de provas de recuperação. Muito menos de Português - uma de suas matérias preferidas.

Mas... coisa do destino? Seu nome na lista (só vou esclarecer... houve engano da secretária... ela digitou o nome errado, o nome da pessoa errada).

Marcos Vinicius... na superfície, a tranquilidade de um lago em um dia sem uma brisazinha sequer... no fundo... um turbilhão.

O pai, militar... a arma ao alcance da mão.

Um tiro, direto no coração... As férias não chegaram para Andressa...

A viagem? Para um lugar que não estava nos planos da professora...

A secretária... digitou o nome errado? Ou foi o certo?

Quando é hora é hora... não importa como chego... só sei que tenho de chegar e fim.
Decretado o fim da morte....

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Morte natural...Você já observou atentamente a vida indo embora da vida de alguém?

Você já observou atentamente a minha chegada? A vida está aí e no momento seguinte não há mais nada... de vida. Eu chego, ela parte em seguida... ou é simultaneamente a chegada e a partida?

Eu chego... a vida se vai e não fica nada. Pra onde vai a vida? Sou a Morte, sei quando devo chegar, como devo chegar... mas o que sei não passa disso. Há tanto antes disso... há vida... tenho inveja da vida, ela vive com as pessoas, acompanha-as desde o momento em que nascem, sabe tudo de todos. A vida é tão cheia de vida...

A vida é amada... eu, eu sou odiada. E olha que já falei, que é ela que não fica por perto quando chego, é ela quem vai embora...

Porque não podemos ter uma convivência pacífica? Poderia ser assim: eu chego, e ela fica...

Seria tão bom desfrutar um pouco da vida.

Também não sei nada depois de mim. Meu Deus como sou limitada... e sou mandada.

Um dia,eu juro, ainda vou me revoltar, vou cruzar os braços... quero só ver como o mundo vai ficar....
Manoel não era religioso. Mas todas as manhãs antes de sair da cama pensava em cada uma das pessoas que mais amava - Tania, sua mulher; Diego e Pedro, seus filhos - e pedia a Deus que os guardasse naquele dia.

E pulava da cama.

Banho, café, beijo e até logo.

Carros, ruas, buzinas, semáforos, apitos.

Rádio, notícias, música, propaganda, música, música, música.

Estacionamento, elevador, escritório, janela... ar da manhã.

A mesma rotina dia após dia.

Telefone, mais um cliente... solução... meia solução... falta de solução.

Almoço... passeio no parque.

Assalto... reação...

Bandido... fuga na contramão.

Corpo estendido no chão.

Manoel não era religioso....
Morte natural...extinção da vida. E sem vida o que há é morte.

Morte natural é o esgotamento natural da vida... Você sabia que as pessoas foram feitas pra viver pra sempre? Pois é...o homem foi criado para viver eternamente... mas houve uns probleminhas de percurso, depois da criação, e ele conseguiu a façanha de morrer.

E assim eu passei a existir. E há gente difícil de morrer, principalmente de morte natural... principalmente de deixar esgotar a própria vida...

Kristen era uma dessas pessoas... difícil de morrer. Tinha 98 anos e uma vitalidade que muita gente mais novinha não tem.

Viivia sozinha em sua casa no estado de Kansas, nos Estados Unidos da América. Era uma casa dessas que você vê em filme americano, De madeira pintada de branco, com as janelas azuis. Tinha um gramado lindo em frente e um jardim que ficava completamente florido na primavera...

Ana cuidava de tudo... da casa e de si mesma. Fazia cookies pros seus queridos vizinhos... era querida de todos.

Seu marido... seus dois filhos... eu já os levei há muito tempo... mas ela continua firme. Alimenta-se bem, faz caminhadas todas as manhãs... leva uma vida saudável. E a vida gosta da companhia de Kristen. Kristen é bem-humorada, é inteligente, é amável... como não gostar de uma pessoa assim? Como querer deixar uma pessoa assim?

Então é uma luta entre a vida e mim... uma luta que tanto você como eu sabemos quem vai vencer. É inevitável a minha chegada.

Também gosto de Kristen... enttão não vou deixar ela perceber que estou chegando. Hoje ela vai viver um dia normal, igualzinho a tantos outros que já viveu.. mas é seu último dia - ela nunca vai saber.

Depois da sopinha e da maçã que Kristen come todas as noites, um pouquinho de leitura... um afago no seu gatinho... e os olhos pesados de sono se fecham devagarinho.

Chego. Abro a porta de mansinho, me aproximo da cama devagarinho, envolvo Ana com carinho... e fim. 

domingo, 21 de abril de 2013

João, 18 anos, acabou de passar no vestibular... Medicina - seu sonho. Vai curar muita gente, vai ajudar muita gente a me deixar um pouquinho mais tempo longe.

Pedro, 47 anos, coveiro. Quando eu chego, a vida vai embora... e sem vida, ninguém consegue ficar na terra... precisa de uma cova. pedro, o coveiro, é quem prepara a dita cova.

Fernando, 35 anos, enfermeiro. Aplica a injeção, troca o curativo, alivia com um comprimido... melhora as condições de vida.

Evaristo, 56 anos, padre. Reza a missa, dá a comunhão, prega que se arrependam de seus pecados... no seu sermão o foco é outra vida. Consiga agora a entrada ao céu... garanta a sua estada.

José,. 12 anos, estudante. Futuro jogador de futebol - se deus quiser! Seu sonho é levar multidãos ao delírio... é fazer gols... alegrar de muitos a vida.

Manoel, 27 anos. Comerciante. Cuidar de sua mulher e filho. Dar a ele o estudo que não teve, a sorte que não conheceu... dar o que nunca recebeu.

Fabiana, 25 anos. Serginho, seu primeiro filho... vai lutar com todas as suas forças pra barrar minha chegada (coitada).

Mas... se o coração parar de bater...a vida vai embora... sem demora.

Parou... a morte chegou. O trabalho, as lutas, os sonhos... tudo acabou.
'Zanghing*', China.

O planalto tibetano, o maior e mais levado planalto do mundo, possui mais de dois milhões de km². É conhecido como 'o teto do mundo'. Como se formou? Pela colisão que ocorreu entre a placa Indiana e a placa euroasiática há aproximadamente 55 milhões de anos... muito, mas muito tempo atrás. Foi formado em um perído chamado Cenozoico - vida recente.

E o processo de formação não parou ainda não... prossegue, prossegue.

E as placas tectônicas continuam se chocando... deixando milhares de milhares feridos. E nesses lugares eu sempre chego.... ou 99% das vezes eu apareço também.

Shing* acordou cedo, hoje era mais um dia de busca por trabalho. Preparou-se para sair... queria encontrar algo para fazer, qualquer coisa, já estava cansado de ser um desempregado, mais um desempregado, neste mundo de falta de empregos.

Abriu a porta, colocou o pé para fora... e sentiu um tremor. Em um primeiro momento não entendeu bem o que estava acontecendo... foram apenas segundos... mas pareceu uma eternidade. Já havia passado por outra situação parecida, por isso, entendeu o que estava acontecendo.

Pensou em seus pais e irmãos que estavam na cozinha... correu para lá, mas o teto desabou sob sua cabeça. Ouviu gritos... e depois silêncio total.

De repente abriu seu olhos,  recobrou a consciência, seu corpo todo doía, mas mesmo assim entre os escombros arrastou-se até o que há bem pouco tempo era a cozinha de sua casa.

Sentiu o cheiro de queimado... a visão turvada pela densa poeira que se espalhava, gritou o nome de cada um de seus familiares... não houve resposta, gritou de novo, e mais uma vez, outra vez e nada.

Pouco conseguia ver em meio aos destroços, em meio a dor... as coisas pareciam confusas, sua cabeça rodava... em seus pensamentos tentava manter a lucidez.

Mas não era bobo, sabia o que tinha acontecido, sabia que do jeito que estava a cozinha ninguém conseguiria sair vivo. Grossas lágrimas rolaram pelo seu rosto... que dor, maior que qualquer dor causada pelo esmagamento de boa parte de seu corpo.

Você já sentiu a dor de um coração esmagado?

Um coração esmagado falha... e para. É uma grande maldade manter vivo um corpo meio esmagado em um coração completamente esmagado.

Então Shing fechou os olhos também....







Planalto Tibetano. Créditos: Jonas Bendiksen
*Nome fictício



sábado, 20 de abril de 2013

E se eu não existisse?

Como seria a vida sem mim? Você viveria, e viveria, e viveria, e viveria... durante um comprimento de tempo impossível de medir. Já pensou? Como seria viver... conviver com o interminável?

As pessoas bem que tentam acabar comigo... Muitos estão na busca da imortalidade. Será que conseguirão me vencer? Não quero ser pessimista (do ponto de vista da vida, of course), mas afirmo que não me vencerão.... Never! Sou invencível. Tudo o que nasce, morre... ou pelo menos quase tudo. E no que diz respeito ao homem... todos, definitivamente todos, passarão pelo estado da morte. Graças a Deus.

Nesses estudos que os humanos insistem em fazer, descobriram que pelo menos uma espécie, a Turritopsis nutricula, uma água-viva, desenvolveu a imortalidade biológica - por seleção natural. A consequência? Explosão demográfica mundial do organismo... pasme!

Pois é... ainda bem que eu continuo chegando... ainda bem que não foi decretada a morte da Morte, né?

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Posso se considerada a pior coisa do mundo,  mas estou apenas fazendo meu trabalho.

Ceifo vidas... dizem as pessoas. Com uma foice  levo embora o sopro vital...

Não tenho todo este trabalho, não. Eu simplesmente chego... a vida vai embora. Não levo embora nada comigo. Também não chego com uma foice... chego, sem nada. Sou eu - a Morte - e mais nada... e vou embora sem nada.

A vida também vai embora, mas eu não tenho nada com isso, não tenho nada com ela... eu só chego. Ela é que não consegue ficar quando eu chego.

Se você pensar um pouquinho, o problema não sou eu.... o problema é a vida - ela é que não consegue conviver comigo... ela é que não aceita dividir um corpo comigo. Ou é tudo dela, ou é nada dela. Então ela abandona tudo, quando eu chego.

Veja bem, ela é quem vai embora primeiro... eu não consigo tomar posse se ela tem a posse.

E só pra provar: Pense um pouco: quantos bilhões de pessoas cuja vida já foi embora. Imagine se eu tivesse levado algo delas comigo... não teria onde colocar tudo, estaria cansada de carregar seja lá o que for.

Chego vazia... vou embora vazia...

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Juvenal não conseguia passar um dia sem uma tremenda bebedeira. "É esta vida que levo... esta droga de vida", justificava ele. "Não tenho trabalho decente, não tenho dinheiro suficiente...então bebo, bebo sim." E bebia... bebia todo dinheiro que recebia como pintor de casa. Pintava uma casa, ganhava um dinheirinho, gastava... e pintava outra casa, ganhava.... e repetia tudo de novo outra vez.

Tinha 42 anos de vida infeliz. Tinha uma esposa que a cada bebedeira prometia que amanhã iria embora. Tinha três filhos - Manoel, Fernando e Paula. Eles moravam com a avó. Era mais seguro, era mais vida.

Terça-feira, 5 de março de 2013, um dia qualquer como todos os outros pra Juvenal. Pegou seu Fiat (bem velhinho) desceu da favela onde morava... e foi pra Zona Sul do Rio. Tinha um apartamento bacana pra pintar... já estava no finzinho.

À s 16 horas terminou. Dona Mercedes pagou tudinho, e Juvenal saiu feliz da vida... Sentou num barzinho e uma cervejinha, outra cervejinha, mais outra, mais uma... até que perdeu a conta.... bebeu, sem parar, durante três horas.

Pegou o carro, tudo girava, mas ele estava acostumado. O normal pra ele era tudo girar, e ele se garantia no volante.

Marina, 25 anos, mamãe de Carolina, 5 meses. Marina trabalhava até às 18 horas, e Carol ficava na creche, pertinho de casa. No fim do trabalho, Marina passava na creche, colocava Carol tão cheirosinha, tão sorridente no carrinho, dava um passeio pelo parque e voltava para casa.

Essa era a rotina da semana na cidade. Sábado e domingo era o campo.

Terça-feira, 5 de março, 18:50 Marina e Carol vinham pela calçada... felizes e seguras. Marina estava com dor de cabeça nesse dia - resolveu não passear no parque. Encontraram Bianca... alguns minutinhos de conversa... fatídicos minutinhos.

Uma dor de cabeça - mudança de planos. Um carro desgovernado - calçada é lugar de pedestre. Foi uma questão de segundos. Um embriagado, uma conversa que não estava no script... o lugar errado, no momento errado. E o carrinho do bebê foi arrastado... não sobrou nada. Deu tudo errado.

Não, nada deu errado, aconteceu exatamente o que estava no meu script.

Alguém ainda pensa que pode determinar quando eu vou chegar (ou deixar de chegar)? Alguém ainda acredita que pode me evitar?
Isso não existe, quando é hora, é hora... de um jeito ou de outro eu chego e levo você embora.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Ventava muito naquela madrugada. João acordara às 4 horas e se preparava pra ir pro mar. Arlete, sua esposa, acordou e sonolenta arrumou a mesa pro café. A toalha xadrez branco com vermelho, em cima da mesa simples de madeira... uma caneca de lata com café com leite quentinho, três pãezinhos, que ela rapidamente esquentou na frigideira pra ficarem sequinhos como seu Jô gostava, manteiga e duas roscas de polvilho. O café de todo dia... Ela só tomou um golinho de café pretinho

Preparou, na sacola, um lanche. Pão, água, bananas e três roscas de polvilho. Eram as últimas... tinha de lembrar de fazer mais naquela tarde.

João pegou sua tarrafa e tudo o que precisava para uma boa pescaria. O mar era seu sustento, do mar ele trazia o sustento para a família... exatamente como seu avô e seu pai haviam feito. Tudo igual, era a história se repetindo.

Às 4:30 abriu a porta da casinha de madeira e sentiu uma lufada do vento frio da madrugada... ia ser um dia daqueles. Mas ele estava bem agasalhado... não ia passar frio... também já estava acostumado com o frio.

Arlete enganchou no braço do seu velho e, como todas as manhãs acompanhou-o até o barquinho. Ajudou-o a organizar as coisas, ajudou a empurrar o barquinho pra água... estava fria, muito fria (por que ela teve a sensação de que naquele dia a água estava um pouquinho mais fria do que em qualquer outro dia que tinha molhado os pés?).

'Vai com Deus, meu velho... e volta com Ele'... 'E você fica com ele.' Eram sempre as mesmas palavras. Beijou o rosto enrugado e sorridente (quase sem dentes) de seu marido, sentou na areia, abraçou suas próprias pernas e ficou olhando-o ir mar adentro. Forçou os olhos pra ver um pouquinho mais o ponto minúsculo em que havia se transformado o barquinho.

O sol já começava a se espreguiçar... seus primeiros raios surgiam lá no horizonte. 'Como é lindo', pensou ela.

No caminho de volta, sentiu um aperto no coração... uma dorzinha... uma dor pequenininha que se transformou numa dor quase insuportável... que se tornou rapidamente insuportável... Já enxergava as luzes fraquinhas de sua casa... mais uns passos, só mais um pouquinho... até conseguiu colocar a mão na fechadura, mas não teve forças pra abrir. Encostou o corpo na porta, escorregou devagarinho, sentou nos degraus e fechou os olhos....

Foi tudo tão mansinho...

domingo, 14 de abril de 2013

Há certos lugares em que é meio óbvio que vou estar... hospitais, por exemplo. Lá uma companheira está sempre presente... a Doença e, muitas vezes, é inevitável que eu chegue onde ela se instalou.

Que fique bem claro uma coisa. Doença é Doença, e Morte é Morte. Chamei-a de companheira, mas não quer dizer que sejamos próximas, que façamos planos juntas, que maquinamos contra ou a favor da vida de alguém.

Ela tem seus próprios planos, faz o que quer com quem quer. Age por conta própria. E eu não sei como ela decide atacar alguém, prostrar alguém ou, simplesmente, passar de levezinho. Ela também não está preocupada comigo, não sabe de meus planos. A única coisa que sabe é que, às vezes, ela está lá e eu chego lá também. E quando eu chego ela vai embora. Na verdade, quando chego qualquer coisa vai embora. Fica só eu: a Morte.

Mas também há certos lugares em que apareço que não é tão óbvio... inclusive é até meio raro eu aparecer nesses lugares.

Katy e seus dois filhos, Martin e Kelvin, chegam em casa. Ela liga a TV e vai tomar seu banho de banheira - pra relaxar. É sagrado, seu banho de banheira é sagrado... 'não me incomodem', diz ela aos meninos.

Na TV nada de interessante. 'Vamos brincar de esconde-esconde?', pergunta Martin, de sete anos, ao irmão caçula, de cinco. 'Vamos, sim.' E Martin vai se esconder.... gritando 'você nunca mais vai me ver'.

Desce ao térreo da casa, entra na lavanderia. Seu pai, Ken, havia chegado de viagem no dia anterior e a mala estava lá, pra ser lavada por Mary, a diarista. Martin abre a mala, entra e com alguma dificuldade consegue fechar o zíper. Grita 'pronto!'.

Kelvin procura, procura, procura... e nada. Desce à lavanderia, olha atrás de tudo, abre porta de armários, olha até dentro da máquina de lavar roupas (onde uma vez havia se escondido). Martin, dentro da mala, prende a respiração... nem um músculo se mexe... só prestando atenção nos passos do irmão, no abre e fecha de coisas.

Kelvin corre para os quartos... e nada. Volta pra sala e, na TV, um programa legal! Senta no chão e  se esquece do irmão, absorto no desenho animado...

Passou-se uma hora, a mãe sai do banho, prepara um lanche e chama os garotos para lanchar. Kelvin aparece na cozinha, Matin não... 'ele está escondido, mamãe, não consegui encontrá-lo'.

Saem os dois à procura. E procuram, procuram... quando o pai chega ajuda... e nada. Claro que foram à lavanderia, vasculharam cantinho por cantinho da casa... e fora da cas também.

Martin, dentro da mala, prende a respiração, fecha os olhos e, vencido pelo cansaço, dorme... dorme... e dorme. Daí eu cheguei, e ele não acordou mais.

Vizinhos, polícia, cartazes por quase toda Bakersfield, no interior da Califórnia...

Só três dias depois, Mary, ao pegar a mala pra lavar, primeiro achou estranho o peso e se perguntou 'Dona Katy não desfez a mala? Que estranho!. Então abriu....

sábado, 13 de abril de 2013

Frio, frio, muito frio. Um dos lugares mais frios deste planetinha que se acha o centro do mundo.
Uma fortíssima nevasca esfriou ainda mais o continente frio da Antártida. Um continente gelado...

Algumas pessoas acham que eu sou gelada (mas é só porque encostam nos corpos frios dos seus mortos). Digo uma coisa: não tente me descrever, você não vai chegar nem perto de dizer como sou. Você não me conhece e quando puder dizer que me conhece, não poderá dizer nada porque estará mort@. E mortos não falam... pelo menos não como os vivos. E como meu objetivo aqui é apenas contar como aconteço no mundo dos vivos, jamais você me ouvirá contar como é o depois.

Adoro surpresas... adoro tanto que quando posso chego de surpresa. Então, não quero estragar a sua surpresa quando estiver mort@... morra e verá com seus próprios olhos como sou. Até lá nem tente me descrever... você vai errar em cheio, se seguir o senso comum... e mesmo que seja criativ@, você vai errar.

Voltando pro frio da Antártida - que você pode dizer que é frio porque sabe que é -, eu estava falando da nevasca que cobriu mais ainda de neve todo o continente...

Carrie acordou cedo naquele dia... abriu a janela, olhou pro céu e viu que estava limpo o suficiente pra ver a lua cheia à noite. A lua cheia na Antártida é linda!  Embora quase não exista mais noite por aqui... mesmo assim é lindo! É branco + branco + branco... tudo iluminado pela lua... é prata.

Vestiu-se: uma segunda pele, uma meia calça, uma calça de lã, um sweater bem fofinho, uma casaco bem grossinho, luvas, touca e um cachecol. Olhou-se no espelho e não gostou nadinha do que viu... parecia um bujão de gás (mulheres são vaidosas... eu sei, eu sei). Mas, não havia jeito... ia de bujão de gás mesmo.

Colocou as botas e saiu. Ah! deixe-me contar um detalhe: tudo o que vestiu era muito colorido e naquele fundo branco que não acaba mais... achei-a simplesmente mais linda. Não consegui tirar os olhos dela, fiquei perto demais.

Claro, ela nem percebeu.... sempre que andava naquela imensidão branca, perdia-se em pensamentos, admirando-se de como tudo aquilo era lindo. E eu não estava nos pensamentos dela... 'a morte é feia', é isso que ela pensa de mim.

Magoou... eu a acho linda.

Carrie estava passando pelo mesmo caminho que seguia todos os dias para chegar ao escritório central dos pesquisadores, onde trabalhava como cientista. Linda e inteligente.

Percebeu que ainda tinha alguns minutos antes de começar a trabalhar... desviou-se de sua rota habitual, seguiu por um caminhosinho que ia dar ela não sabia onde. Andou, andou e andou um pouquinho mais... sozinha, pensava ela, só eu tenho o privilégio de ver a beleza deste lugar. 'Aqui não há lugar pra morte... tudo é vida', falou com seus botões.

Tremi. E, quando eu tremo, sai de perto. O que aconteceu depois? Depois do meu tremor? Oras, uma avalanche, claro...

E à noite, a lua cheia estava lá...ma-ra-vi-lho-sa. Eu vi, Carrie, não.
Oi, tudo bem?

Se você está diante desta tela de computador recebendo meu cumprimento é porque eu ainda não cheguei pra você. Talvez eu já tenha chegado bem perto, mas, como não era a sua hora, só cheguei perto, não tirei nada de você. Não tomei o que você tem de mais precioso: sua vida. Passei de raspão, mas não era sua hora e eu fui embora.

Só você tem sua vida, e a sua vida é só de você. Você deveria ser mais forte do que eu, obviamente. Ou você não ama sua vida pra querer segurá-la com todas as suas forças? Sua vida não é importante pra você a ponto de largar tudo pra ficar só com ela? Quão pouco é o seu amor por sua própria vida que não luta e ganha essa luta?

Ah! não venha me dizer que você está preocupado com outras tantas coisas e não tem tempo pra pensar nisso. Depois não vá dizer que eu não avisei...

Sou atarefada... atarefadíssima, por sinal. Não paro, nunca parei... trabalho em várias frentes ao mesmo tempo. E, olha, tirei um tempinho pra contar pra você alguns fatos ... reais. Sei, aí há uma redundância - se é um fato, é real -, mas estou sendo redundante propositadamente... talvez assim você preste mais atenção em mim e consequentemente em sua vida. Você, de verdade, quer perdê-la?

Vamos, lute comigo.... estou dando uma chance de lutar, de mostrar quão importante é pra você sua própria vida.

Ah!, mais uma coisinha... muitos lutaram comigo até o fim. Não me aceitaram passivamente. Lutaram, esbravejaram, ficaram com marcas profundas no corpo e na alma... sobreviveram (deixei-os pensar que ganharam). Mas, você sabe, foi por um tempo só; quando chegou a hora eu cheguei e levei-os embora... e fim!

E você?

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Manuela... trabalha no centro da cidade. É arquiteta, tem 29 anos. Hoje, como em todos os outros dias da semana, acordou cedo, foi pra academia e depois pro escritório.

Atendeu clientes, iniciou a elaboração de um projeto dos banheiros da casa de Sandra, sua amiga.
Na hora do almoço, comprou um perfume para usar no encontro com Sandro, seu namorado.

Naquele dia, eles completavam um ano de namoro. Eles realmente se amavam, faziam planos, projetos pro futuro... ela iria projetar a casa dos seus sonhos... pros dois.

Sandro é médico e trabalha em uma clínica a mais ou menos trezentos metros do escritório de Manuela. Também tinha seguido sua rotina de trabalho, atendendo seus pacientes e feito uma cirurgia naquela dia.

Haviam combinado de se encontrar às 19 horas no barzinho que ficava mais ou menos na metade do caminho dos dois.

Às 18:45 horas, o celular de Manuela toca. Era Sandro. Felizes os dois saíram de seus locais de trabalho, sempre conversando ao celular. Um indo na direção do outro. Conversando sobre o amor lindo que estavam vivendo... 'coisa que poucos têm'... 'amo você'... 'e eu amo você'... 'amo mais'.... 'não, eu amo mais'....' faltam dois minutos pra eu beijar, beijar, beijar você'.... 'e pra eu beijar, beijar, beijar você'... e riam, felizes e distraídos.

Sandro começou a atravessar a rua... já via Manuela em seu lindo vestido estampadinho.... só tinha olhos pra ela... depois dela, tinha ficado cego pro resto do mundo.

Tststs... não olhou pro lado, nem viu o Pagero.... não chegou do outro lado da rua... não houve jantar... os projetos... meros projetos.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Hoje é apenas mais um dia na vida de Roberto.  Mais um dia de vida para ser vivido.

Casado há 15 anos, tinha três filhos: Juliana, Débora e Fernando. Sua esposa, Maria Clara, é professora de História Contemporânea em uma Universidade.

Roberto, engenheiro eletricista, trabalha em uma multinacional. É feliz no seu trabalho, fazia o que gostava. É feliz com sua família... cada um deles, pra Roberto, era como um presente de Natal. Tinha planos... como quase todo mundo tem. Era um homem equilibrado, planejava, sim... sonhava, sim... mas tinha os pés e a cabeça no chão.

Depois de deixar Clarinha na Universidade, foi para seu trabalho. Havia uma rotina e ele a cumpria rigorosamente. Havia um recado de seu diretor "Venha até à minha sala". Roberto foi. Eram amigos e Roberto já sabia, ou seria convidado para um churrasco no fim de semana, ou havia algum chuveiro elétrico na casa de Fábio para consertar.

Fábio não se acanhava de pedir ao amigo que consertasse uma tomada, um fio solto, um chuveiro... ou qualquer coisa que deixasse de funcionar em sua própria casa. Eram amigos de longa data e ele só confiava em Roberto qaundo se tratava de qualquer coisa ligada à eletricidade.

Roberto não se importa... para ele trocar tomadas, chuveiros... puxar um fio de luz de cá pra lá, de lá pra cá, era um hobby.

Dito e feito. Havia um probleminha na banheira de hidromassagem na casa de Fábio.

Roberto decidiu que o melhor momento para verificar o que havia acontecido era aquele. No começo da manhã, ainda estava tudo tranquilo na empresa. E foi...

Depois de detectar o problema, saiu para comprar a peça que precisava ser trocada. Voltou, trocou. E retornou para o trabalho.

Parou no sinal vermelho do primeiro semáforo do caminho... ficou observando as luzes vermelhas até ver surgir o verde. Soltou lentamente o pé da embriagem e acelerou... Um micro-ônibus chocou-se com seu Fiat/Idea. Roberto sentiu o choque e ainda conseguiu ouvir o som distante da sirene da ambulância e as luzes vermelhas se aproximando, piscando... piscando... piscando...até tudo parar totalmente.

Mais um dia na vida de Roberto... menos um dia daqui pra frente.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Eu posso chegar de forma doce, suave, tranquila...às vezes...

João estudou o dia todo. Amava Tecnologia da Informação - sua área de estudo -, amava sua vida, amava viver. Amava Fernanda, sua companheira, amiga, amante.

Ele tinha 27 anos e muita energia. Sorria pra vida e a vida lhe sorria de volta. Tinha planos. Havia acabado de entrar no Doutorado. Depois disso, ia viver um tempo na Europa, com Fernanda. Adorava viajar... e seu país, o Brasil, já havia percorrido de ponta a ponta com sua outra paixão - moto; também já andara por outros lugares nas Américas. Havia visitado desde ambientes inóspitos, poderosamente belos, até lugares de uma beleza tão natural... tão suave que parecia estar no quintal de sua casa. Mas ainda havia lugares para conhecer.

Chegou na casa de sua mãe, colocou uma bermuda e uma camiseta. Tomou um suco geladinho de acerola, comeu os deliciosos pasteizinhos de camarão que ela acabara de fritar. Agora ia passear na praia... descansar e sonhar com sua próxima viagem... com o resto de sua vida.

O telefone tocou. Era seu amigo Mauricio com problemas. João tinha um bom coração, beijou sua mãe, pegou sua moto e voou rumo à Lagoa da Conceição. Para chegar lá precisava pegar a BR... e, sim, tinha de voar, eram mais de 50 km da Praia do Rosa até a Lagoa... E o amigo não estava nada bem.... e João adora voar com sua moto.

Não havia andado 5 km... foi o tempo de ver o caminhão vindo em sua direção, na contramão... João e sua moto... a última vez que pegaram uma BR juntos.

domingo, 7 de abril de 2013

Lá fora um sol tímido passava por entre as ramas das árvores. Os passarinhos voavam de lá pra cá num alegre e leve movimento. Duas lindas borboletas passaram bem rente à janela... o ar estava perfumado com as flores do jardim.

Léo, em sua cadeira de rodas, olhava tudo aquilo pela milionésima vez. Desde que entrara no asilo, entrara, não... fora colocado, contra a vontade, por seus filhos... 'é um lugar ótimo'... 'há pessoas que cuidarão do senhor o tempo todo'... 'há passeios, há diversão'... 'Tudo isso', lembrava ele, tinham dito eles... 'só pra convencê-lo'.

Estava cansado, desiludido, triste e só. Da vida não esperava mais nada. Todas as manhãs pedia à enfermeira que o colocasse em frente à janela. De lá, via o céu azul, as árvores, verdinhas... as flores de todas as cores... os pássaros... a vida (ou tudo diferente, conforme a estação). Deixava essa vida lentamente passar pelos seus olhos, entrar em sua mente e lá ficar. Não queria mais nenhum tipo de lembranças. Não queria lembrar do câncer que o corroía pouco a pouco... lentamente.

Que agonia essa lentidão...

- É hoje, tem de ser hoje - dizia de si para si... todas as manhãs.

Mas ainda não era! E outro dia... outro dia... outro dia.

Quem decide sou eu... chego na hora que quero. Você pode até implorar, não vai adiantar... suas lágrimas também não me comovem.

Mas, eu chego... e pode ser hoje.

Léo fixou o olhar na roseira vermelha bem à sua frente... 'havia três rosas a menos de ontem', pensou... 'quantas haverá amanhã?', perguntou de si para si (ele contava as rosas da roseira sempre).

Fechou os olhos....nunca soube quantas rosas estavam na roseira amanhã.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O sol batia forte em suas costas. O suor escorria pelo corpo. Os pés doíam. Mas Fabíola não iria desistir no meio do caminho. Tinha um excelente preparo físico; a piscina do clube já sorria ao vê-la chegar; sua bicicleta... o melhor equipamento que já se viu sobre a face da terra... seus pés perfeitos em tênis perfeitos.

Começou bem. Muito bem, melhor dizendo. Os 1.500 metros de natação foram vencidos com uma tremenda facilidade.

Seguindo com sua magrela, companheira de todas as horas, fez os 40 km num tempo nunca antes conseguido.

Agora é só correr... correr e vencer.

Estava confiante... toda confiança do mundo. Sua confiança era um ato de fé... mas não uma fé qualquer... era uma fé racional, calculada. Era uma confiança acompanhada de inteligência e de energia... uma confiança de quem realmente sabia o queria. Queria a vitória e seus pés à vitória lhe levariam. Era certo... certíssimo.

Correr... correr... correr...

E seus pés iriam obedecer. Eles a levavam para onde quisesse, na velocidade que quisesse. E só faltavam 4 km... os pés lhe obedeciam...

Mas não são só os pés que movem o corpo humano, né? Pois é, o coração falhou... tum-tum.... tum-tum......tum-tum....   tum    tum    tum
e parou.






quarta-feira, 3 de abril de 2013

Chego a vários... muitos lugares ao mesmo tempo. Tempo e espaço não são, nunca foram problemas pra mim. E eu não paro de acontecer. Aconteço no mínimo de uma vez por dia até mais... bem mais de cem mil vezes por dia.

Chego de uma meneira... ou de outra. Às vezes me repito... às vezes aconteço de forma totalmente inusitada. Tudo depende do meu humor.

Marcia Cristina, 16 anos... Reveillon no Rio de Janeiro, Carnaval no Rio de Janeiro... não sabe ao certo quando aconteceu. Só sabe que aconteceu porque a gestação de um bebê é visível... a partir de um determinado momento, é visível.

Foi dificil, mas Marcia conseguiu esconder. Sua mãe, D. Paula, estava ocupada demais em trazer comida pra casa pra alimentar as quatro bocas que dependiam dela.

Marcia Cristina não queria um bebê, não programou um bebê; mais uma boca pra alimentar... E ela tinha programado algo bem diferente para seu próprio futuro - não queria nem sombra de dependentes; mas o bebê aconteceu. Todas as noites, ela fechava os olhos com força e desejava com mais força que o bebê não existisse, que tudo não passasse de um terrível pesadelo. "Amanhã de manhã eu vou acordar e vai estar tudo igual ao ano passado", pensava ela... deseja ela do fundo do coração.

Começa a primavera... uma linda manhã - uma manhã ensolarada, perfumada. Mas alguma coisa não está bem... uma dor como nunca havia sentido, não consegue sair da cama... e olha que ela se esforça. Mas não dá. Se encolhe, aperta a barriga, a dor cada vez mais forte... a cama molhada... grita e faz força... grita e faz força... alguma coisa parece ser arrancada de dentro dela.

Num esforço incomum, sentou e olhou... sangue, muito sangue...e mais um monte de coisa que não tinha a mínima ideia do que era. E no meio daquilo tudo um corpinho, uma boneca, toda molinha, roxinha. "Vou morrer", pensou.

Marcia Cristina não era meu foco, mas o bebê nunca aconteceu... não havia rastros, provas... nada que dissesse que algum dia ele existiu.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Já falei que só existo porque você existe. Se você e outros vocês por aí não existissem, eu não existiria. E tenho certeza de que você concorda comigo.

Tudo começa com o nascimento de alguém. Alguém nasce, tem origem... começa a vida. Antes de alguém morrer tem de nascer. Então se ninguém nascer, ninguém morre. Pronto!

A culpa não é da morte... é da vida. Ou de quem gera a vida. Não vou entrar no mérito de quem origina a vida, mesmo. Vou ficar no nível de quem é homem + quem é mulher e quer virar pai e mãe. E decide gerar uma vida. Tudo começa aí. Não comece... não vai me ter por perto. Pronto!

Ana e Paulo... um homem e uma mulher. Tão felizes juntos, um completava o outro. Mas não achavam ser suficiente. "Vamos ter um bebê." Aí começou o problema. Você acha que eles não sabiam que tudo o que nasce morre? Claro que sabiam... mas, mesmo assim decidiram.

E conseguiram... geraram uma vida.

O quartinho todo branco... as roupinhas amarelinhas... branquinhas... até o ultrassom. E aí... Manoela... o quartinho começou a ganhar outras cores: o tradicional rosa... florzinhas rosas no babadinho da cortina, nas almofadinhas em forma de coração, redondinhas, quadradinhas... e os xadrezinhos. Ana adora xadrez. Ah! E violeta... tapetinho violeta, toalhinhas violeta, lençóizinhos violeta e rosinha...

Chegou o dia. O bebê chorou... tão fraquinho, mas chorou - "porque chegou a esse imenso cenário de dementes" (William Shakespeare)... chorou um pouquinho e parou. Tristeza sem fim... é, verdade, mas é uma tristeza que nem precisava ter começado.

Sou cruel? Não, não sou... só cumpro minha função.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

James W... 27 anos, chegou aonde queria. Os palcos do mundo, shows, a fama, ser reconhecido nas ruas, os gritos histéricos das fãs.

Os gritos histéricos... Isso estava deixando-o louco. Lembrava-se de quando podia andar pelas ruas, pegar onda, comer um simples hot dog na esquina... da menos movimentada das cidades.

Correu o mundo, Paris... Amsterdã... Londres... Nova Yorq, eram o quintal de sua casa. E ele se divertia, ria, vivia.

E o dinheiro!? Agora podia comprar o que quisesse, o quanto quisesse.Comprava, comprava, comprava... e comprava.

Estava ficando louco... os gritos não o deixavam em paz.

E ele lembra que só bebia água, suco - natural... levava uma vida tão natural. Um gole de vinho, uma gelada, a busca por momentos mágicos, por alívio dos gritos em sua cabeça... a cocaína - meio alívio; o crack, o alívio total.

 Dor? Cansaço? Os gritos? Somem como que por encanto. Satisfação... sente-se bem o coração... e quer mais, e quer mais, e quer mais. Que bem-estar!

James W. Forte candidato à morte. Acordou ao meio-dia. "Outro dia? Não aguento mais.... quero paz... QUERO PAZ!

Saiu de casa, correu pra praia, se jogou no mar... deixou as ondas o corpo levar...

E eu nem precisei molhar os pés...