quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Um telefonema pra dar...
Um e-mail pra enviar...
Um trabalho pra terminar...
Uma janela pra fechar...
Uma boca pra beijar...
Um 'eu te amo' pra gritar...

... e eu chego

pra te levar.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

E o Mar Vermelho....

Há muito, muito tempo... eu aconteci pra um monte de gente junto ´(várias vezes isso aconteceu). Foi uma situação tão estranha... até eu que me acostumo a qualquer coisa, nada me choca, mesmo, nesse dia fiquei pasma.

Ia um tal de Moisés - líder religioso, um profeta, autor da Tora - pelo deserto dirigindo o povo de Israel para a Terra Prometida; ele estava libertando esse povo da escravidão do Egito. Ele e essa multidão que o seguia rodaram, rodaram e rodaram pelo deserto (lembro bem de cada detalhe, aconteci muito por lá, nessa época).

E, sabe, eles eram perseguidos pelos exércitos do Faraó... claro o mandachuva aí não queria perder seus escravos.

Mas nada ia tão mal.. até que aquele povo todo deu de cara com um Mar... e aí?

Ah! como eles reclamaram... e Moisés na maior calma simplesmente estendeu a mão sobre as águas daquele marzão e elas se dividiram. Sim, foi isso mesmo que aconteceu. E eu fiquei lá olhando de boca aberta...

E o povo todo atravessou... na boa!

Beleza! Chegaram todos do lado de lá. Mas o exército não ficou parado, não; seguiu pelo mesmo caminho, com seus cavalos, com seus 'carros'.

E o povaréu lá do outro lado muito assustado assistindo a tudo.

Mas, Moisés estendeu a mão de novo. E, tchan tchan tchan, o Mar foi se fechando devagarinho e os 'carros' meio atolados na areia... bom não preciso contar o resto, né? Você tem condições de imaginar sozinho o que aconteceu.

Duas provinhas de que sei do que estou falando:

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http://www.rochaferida.com/2011/06/arqueologia-prova-travessia-do-mar.html#axzz2Y50Ng3II

Divisão do Mar Vermelho é explicada por cientistas
Utilizando modelagem computacional, cientistas recriam o cenário relatado na Bíblia e descobrem que o evento seria possível respeitando as leis da Física
 

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Estou aqui sentada esperando a próxima vítima..... Distraio-me a olhar a paisagem... procuro por algo novo... não há nada de novo neste mundo.

É um círculo... tudo absolutamente tudo... é o mais completo tédio.

Sabe que eu acho que na verdade não era para eu existir.... Não existir no sentido de quem tem vida... existir no sentido de acontecer pra quem tem vida.

As pessoas... vou me referir especialmente a elas.... até porque a morte de um animal (vamos chamar de irracional, na falta de uma palavra mais apropriada) ou de um vegetal é diferente da morte de uma pessoa, de gente, de um ser humano.

Eu não existia... até que um idiota resolveu ficar com raiva, inveja... sei lá o que de outro ser igual a ele. Daí o idiota socou, socou, socou o outro e eu aconteci - pela primeira vez....

Depois desse dia tão distante não parei mais de acontecer... agora aqui pensando... acho que eu tive um pai... sem mãe...

só um pai.... estranho isso...

sábado, 15 de junho de 2013

O primeiro sintoma de que alguma coisa não ia bem apareceu na sexta-feira à noitinha quando Josiane subia a ladeira íngreme para chegar em casa.

Havia trabalhado o dia todo. Sextas-feiras era exatamente assim: muito trabalho. O apartamento de Joel era enorme e ele não era nadinha cuidadoso.... era mesmo muito relaxado.

A louça se acumulava em cima da pia, na máquina de lavar, em cima da mesa.... copos na sala, no quarto.

A roupa então... nem se fala esparramada pela casa toda.

Josiane começava a faxina cedo, bem cedo. Já fazia cinco anos que faxinava a casa de Joel. Já havia tido oportunidade de trocar por outro apartamento, mais perto de casa, menor... talvez até menos bagunçado.

Mas gostava de Joel. Pagava certinho e tudo o que não queria mais dava para ela. Era assim que não precisava comprar camisas para seu marido, roupas de cama... banho.

E Joel também ajudava muito com medicamentos para seu filhinho - de uma gripe qualquer até à internação por sérios problemas respiratórios. Joel cuidara de tudo no hospital onde trabalhava: até internar o pequeno Luca pelo SUS.

Josiane sentiu um calafrio. A luminosidade do sol era pouca... mas dava para perceber o movimento de pessoas em frente à sua casa - a última da rua estreita e sem saída.

Queria correr, mas não conseguia... suas pernas não lhe obedeciam. Não tinha medo de morrer, não temia se despedir da vida, mas... 'não meu filho', pensou!

Não é a primeira nem a última história de mãe que sente que levei seu filho... ela sabia sem nem mesmo saber... eu havia passado em sua casa naquele fim de tarde.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Ana Maria... Aninha. Lindos cachinhos dourados, olhos azuis da cor do mar de um céu sem nuvens.

Aninha - hiperativa. Diagnosticada pelo psicólogo. Aninha - distraída como ela só. Serelepe - como a maioria das crianças é.

Ana Luíza, mãe de Aninha. Preocupada, sempre atenta aos passos da filhinha. Não desgrudava o olho um minuto.

O sol brilhava, era uma daquelas tardes quentes de verão. Um banho de piscina - tudo o que Ana Luíza queria

Colocou o biquíni, olhou-se  no espelho 'tenho de me esforçar mais na academia... essa barriguinha!', pensou... 'vou forçar mais daqui pra frente'.

Foi ao quarto em que havia deixado Aninha dormindo, sossegadamente. Olhou para o filhinha - tão linda. 'Amanhã ela fará seu primeiro teste para modelo fotográfico', pensou... orgulhosa da beleza da filha.

Foi para a piscina, mergulhou... nadou, nadou, nadou. Inconsciente de tudo ao seu redor, apenas sentia-se deslizar na água fresquinha.

Passou por mim, não me viu sentada à beira da piscina. Por que as pessoas não prestam mais atenção?

Depois de uns trinta minutos saiu da piscina. Estava exausta... deitou na cadeira e adormeceu...

Aninha acordou...

Ana Luíza abriu os olhos assustada... lembrou-se da filha... num salto estava no quarto. Aninha não estava lá...

As pessoas são realmente distraídas... Se Ana Luíza tivesse olhado para a piscina não precisaria ter corrido até o quarto...

Eu havia acabado de passar por aí...

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Hoje Carlos decidiu que mudaria sua vida. Estava cansado de não ter dinheiro pra nada... queria tudo, não tinha nada.

Hoje sua vida mudaria... há dias vinha rondando as lindas mansões de Jurerê... Jurerê Internacional... 'até o nome é pomposo', pensava ele... 'por que alguns têm muito e outros têm nada?'

Ninguém disse que a vida é justa... será que ele não sabe disso?

Estava revoltado. E nada melhor do que uma revolta pras coisas mudarem... as guerras... todas... começam assim: uma pequena revolta, que cresce, cresce, cresce... e aí eu entro em ação.

Na guerra... em qualquer uma delas, eu trabalho mais que dobrado. Não estou me queixando, não. Se não estivesse satisfeita com meu trabalho mudaria de profissão. Não sou do tipo que se acomoda... se não gosto, largo mão.

Não... não é o que você está pensando... não é que eu goste do que faço, apenas não desgosto... é isso.

E Carlos decidiu. Esperou escurecer, pulou o muro... 'droga, cortei a mão', disse de si para si.

Ah! Ele tinha essa mania de falar consigo mesmo. Dizia ser um bom falante e um bom ouvinte... tinha grandes ideias e gostava de ouvi-las ao som de sua própria voz.

Correu agachado pelo gramado... parou. Silêncio total. 'Agora é só escalar esta parede e pular na sacada', falou de novo pra si próprio.

Não foi fácil, ele não tinha tanta habilidade... e eu só olhando. Até pensei em dar um empurrãozinho pra facilitar... me aproximei de mansinho.

E foi escalando... um pé aqui, outro ali, na parede, na grade da janela do térreo. 'Um impulso e chego lá', falou todo feliz com sua façanha. E um... e dois... e três... impulsionou o corpo para cima. As mãos quase... eu disse: quase conseguiram agarrar a beirada da sacada.

O que é um 'quase'... ele se desequilibrou, caiu e... bem, quebrou o pescoço...

Tenho de parar com essa minha mania de querer dar uma forcinha....

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Decretado o fim da morte! Só por cima do meu cadáver ;)

De novo? Que chateação... se alguém está pensando em acabar comigo, pense muito bem nas consequências....:(
Gianne e Paulo se conheciam há cinco anos.... estavam casados há um ano.

Seres humanos são estranhos... comemoram tudo... ou quase tudo. Fico imaginando o porquê de tantas comemorações... pra tudo há uma data especial. Não sei pra quê! Em minha modestíssima opinião, cada comemoração lembra que os dias passam... que o tempo passa... que estou mais perto.... então pra que comemorar!?

Então, em vez de comemorar datas especiais... talvez os seres humanos devessem passar por elas como se fosse algo o mais próximo do que se chama de normal... ou, pensando de outro prisma... comemorar cada dia como um dia especial... afinal é mais um dia... um dia a mais que a pessoa ganhou... sei lá... acho mesmo é que não gosto de comemorações.

Talvez seja porque inevitavelmente nessas datas comemorativas, tenho mais trabalho... não que não goste de trabalhar - nem gosto, nem desgosto; também sei que não é porque alguém estava comemorando algo que aconteceu algo e eu cheguei. Eu só chego quando chega a hora... talvez seja mera coincidência eu trabalhar mais em datas comemorativas... também trabalho mais em outras ocasiões: guerras - nem se fala -, acidentes da natureza... fenômenos da natureza... e por aí afora.

Acho apenas que estou adiando de contar que cheguei para Gianne e Paulo... pode ser.

Definitivamente, hoje estou sentimental.... talvez eu devesse ter uma amnésia passageira... esquecer que estou registrando lugares... pessoas que a vida abandonou (veja bem: a vida abandonou).

Mas... respiro fundo e vamos lá.

Gianne decidiu comemorar visitando uma bela cidade catarinense que fica mais bela em certos invernos quando a neve chega. E conversou com seu amado marido... 'oh! estou pensando a mesma coisa que você', falou ele, sorrindo.

Seres humanos apaixonados têm dessas coisas... pensar a mesma coisa, ao mesmo tempo (nunca entendi muito bem isso.... coisa de alma gêmea, será?).

Saíram de Curitiba, cidade em que moram, e pegaram a estrada.

Passavam pela serra que é considerada uma das mais lindas do mundo, com seus cânions (vou colocar uma foto no fim do texto pra você ver que estou dizendo a verdade). É linda, mas há problemas... sinalização e outras coisitas mais...

Pois é! Eu ja estava ficando tonta com tantas curvas. Curvas lindas, mas perigosíssimas...

Antes que eu ficasse tonta de vez e perdesse os sentidos, foi o carro que perdeu o sentido e voou... voou - coisa que carro não deve fazer.

Gianne e Paulo não conseguiram comemorar.... algumas coisas realmente não fazem sentido... nem pra mim - mas, quem sou eu pra questionar?

www.portalmenina.com -

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Decretado o fim da morte.... só passando por cima do meu cadáver ;)
A empresa havia crescido assustadora e maravilhosamente. Os números aumentavam em progressão geométrica nos últimos dez anos... dez, não oito anos. Nos últimos dois anos, desciam ladeira abaixo... na mesma proporção que haviam subido.

Alex, o grande empresário, saíra do nada, ou do quase nada. Começou com uma carrocinha de cachorro-quente (herdada de seu pai) na saída do maior colégio da cidade... pra segunda carrocinha foi um pulo... e, geometricamente, o número de pontos subiu....

E ele diversificou: pizzas, hambúrgueres, sanduíches naturais....

Saíra das ruas, agora trabalhava em um prédio de três andares... na cobertura morava com sua esposa, Liana, e sua filha, Marcela...

Nos outros andares a SUA empresa. Que orgulho sentia... nem lembrava das vezes em que a carne de seus hambúrgueres não era de primeira qualidade... não era de qualidade nenhuma, na verdade.

'Coisas ruins não são para serem lembradas.' Seu lema... e assim seguia sem peso nenhum na consciência.

Mas os números caiam vertiginosa e assustadoramente.... 'Exatamente, estamos falidos', repetiu pela quinta vez Fábio, um homem calvo, com óculos imensos, que o deixavam mais feio do que já era. Fábio era o contador de confiança de Alex, em reunião com ele naquele momento.

Alex levantou-se ruidosamente, lançou um olhar fulminante para o vazio às suas costas. A passoss largos, saiu ruidosamente.

Um silêncio mortal preencheu a sala de reuniões. Um frio passou pela espinha de Fábio, um ligeiro tremor...

O barulho do elevador na direção da cobertura. Depois silêncio total.... por alguns instantes.

Bang!

Quebrou-se o silêncio minutos depois... O coração de Fábio começou a bater aceleradamente... enquanto o de Alex tum-tum... tum-tum... tum... ... ...



sábado, 4 de maio de 2013

Para José Honório o dia começa sempre com a luz do sol ou da lua... Tudo dependia do que estava acontecendo em cada dia. Estava no Afeganistão desde o início de 2001. Não era repórter de guerra, virrara repóter de guerra. Repórter não... fotógrafo.

José era apaixonado por fotografia. Havia feito vários cursos, conhecia todas as técnicas... e conhecia também o melhor ângulo, pela prática. Tinha girado meio mundo, fotografado as belezas naturais, consequências das catástrofes naturais... havia fotografado gente... gente bonita, bem alimentada, bem vestida. Mas também havia gente não tão bonita, gente que a vida tinha estragado, maltratado.

Fizera exposições em dezenas de lugares. Era aplaudido... sua fotografia era completamente humana. A sensação que se tinha ao vê-las é que as árvores iriam se balançar com o vento... que os pássaros sairiam voando... que as flores iriam exalar seu perfume... que as pessoas sairiam andando.

Tamanha perfeição!

Agora esta lá... no meio da guerra. Há melhor lugar em que fotos mais originais podem ser feitas? Fotos sangrentas...nojentas... destruição por decisão humana... fotos esquartejadas...

A guerra o atraía... ou melhor, o resultado concreto da guerra o atraía.

Acordou, com a luz do sol ou la lua... Preparou-se para mais um dia de trabalho. A melhor foto do dia, na capa do melhor jornal estaria. Saiu do hotel, e seu motorista o levou na direção das melhores fotos...

A guerra tem seus próprios planos. Um bombardeio - contra os inimigos - só contra os inimigos. Mas uma bomba não consegue diferenciar inimigo de amigo... cheguei para ambos.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Às vezes a coisa certa é a coisa errada.

Paulo não respondia os e-mails de Angela. Estava cansado. Havia se divorciado de Laura há dois anos. Como ele amava Laura.

Mas ela encontrou outro. Pediu o divórcio e deixou Paulo com as duas filhas. Uma vez por mês, Laura aparecia, pegava as meninas e passava o fim de semana com elas. Domingos, 20 horas, impreterivelmente, ela as devolvia. Devolvia como se devolve um livro que havia pedido emprestado.

'Onde está o amor que Laura sentira pelas filhas?', se perguntava Paulo a cada 'desova'.

Angela poderia fazê-lo feliz? Amaria suas filhas? Ele não sabia e, por isso, não respondia os e-mails dela, não atendia o telefone... fugia. Até aquele dia...

'Quem sabe!?', pensou consigo mesmo e aceitou o convite para passar o fim de semana juntos - ele, ela e as meninas.

Laura teria de 'ceder', naquele fim de semana as meninas ficariam com ele... era o fim de semana de Laura, mas ela teria de aceitar... Já havia feito planos? Levaria as filhas a Petrópolis? Paciência, Petrópolis teria de esperar.

Uma ´'família', ou um 'quase família' feliz, ou 'quase feliz', curtiu Parati. A linda Parati.


www.infoescola.com

Laura curtiu Petrópolis.


centralturismos.com.br
Domingo fim de tarde.... chuva, muita chuva no estado do Rio. Desmoronamentos, barreiras, desmoronamentos....

Laura e seu companheiro não voltaram. A chuva era forte, o morro veio abaixo... no momento 'certo'... ou 'errado' em que o carro de Laura passava.

Às vezes a coisa certa é a coisa errada.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Michel sente-se preso ao corpo... meio corpo. Tem 45 anos e há vinte sofreu um acidente que o deixou paraplégico.

Michel ficou gravemente ferido em um acidente de moto. Consequência: perda de controle e sensibilidade dos membros inferiores, impossibilitando-o de andar e dificultando-o a permanecer sentado.

O acidente ocorreu há vinte anos. Já são vinte anos de luta para se manter mentalmente equilibrado.  Sua esposa, Anne, tudo faz para amenizar o sofrimento de Michel... mas ele está cansado de se sentir prisioneiro em um corpo que não responde aos estímulos.

Tentou  se adaptar, esforçou-se em se reeducar fisica e mentalmente à sua nova condição. Aceitou a cadeira de rodas... aceitou a total dependência, ou pelo menos acha que aceitou. Está resignado à condição de meia vida. E meia vida é pior, para ele, do que vida nenhuma.

Ouço ele suplicando pra que eu chegue. Sinto piedade, mas não posso atender às suas suplicas, até hoje...

Eu sei que, para ele, o pior é a perda do controle de suas necessidades fisiológicas... a remoção da urina acumulada na bexiga 'o mata lentamente', diz sempre. Mas ele colabora... colabora... por um tempo.

Ele está exausto, eu vejo isso...infecção urinária pode ajudá-lo. Então, Michel, que bom que você desistiu de colaborar.

E eu chego e o liberto da meia vida que leva... liberto-o da vida que não leva.

É, pra muitos sou liberdade....







terça-feira, 30 de abril de 2013

Há lugares que é bem óbvio de me encontrar... hospitais, asilos, por exemplo. Há lugares a que dificilmente chego. Um deles é em cemitérios.

'Como assim?' Você pode me perguntar... 'como assim? cemitério é o lugar de mortos por excelência'.

Sim.... você acertou é um lugar de mortos... só chega lá, só fica lá quem já está morto. E em quem já está morto eu não preciso chegar... já cumpri minha função, pelo menos, 24 horas antes de os corpos serem levados para o cemitério.

Mas hoje vou dei uma passadinha por lá.

João Pedro almoçou e foi direto para seu compromisso. João Pedro era paisagista. Transformava microespaços em micropaisagens fabulosas.

João Pedro tinha 43 anos, havia se separado há dois meses, sentia-se solitário. 'Definitivamente o homem não foi feito pra ficar sozinho', pensava enquanto dirigia em direção ao cemitério Céu e Paz.

Céu e Paz é um lugar magnífico... é como o Céu... lindo e cheio de paz ... como o próprio Céu. Os corpos que lá estão ficam realmente num lugar de paz.

João Pedro ia pensando em seus dois filhos. Ambos estavam na Europa estudando e João pensou que talvez uma viagem lhe fizesse bem... 'Vou terminar os projetos que estão em andamento e viajo', decidiu de si para si.

No cemitério iria trabalhar no túmulo da avó de um amigo seu. Já havia planejado um lugar prazeroso, belo e com um toque de sofisticação... exatamente como era Vó Marina.

Ao chegar, estacionou o carro, abriu a porta... e sentiu uma leve tontura, palpitação seguida de falta de ar...

Morte súbita é o nome que me dão quando aconteço dessa forma...

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Joana era pesquisadora de uma das melhores universidades nos Estados Unidos. AIDS era o foco de suas pesquisas, há dez anos trabalhava nisso... tinha de encontrar a cura, a verdadeira cura. E ia encontrar.

Já via seu nome em manchetes de jornais, nas melhores revistas científicas... estava tão perto....

Joana nascera na bela Ilha de Santa Catarina... onde agora passava suas merecidas férias.

Segunda-feira, 5 horas, sol nascendo... primeiro dia de férias... ia pra Joaquina surfar... seu esporte predileto. Dos vinte melhores lugares pra surfar, já havia surfado em Byron Bay (Austrália)


www.testosteronasports.blog.br/.../os-20-melhores-lugares-para-surfar/
em Santa Cruz (Califórnia)

www.testosteronasports.blog.br/.../os-20-melhores-lugares-para-surfar/
em Nosara (Costa Rica)

www.testosteronasports.blog.br/.../os-20-melhores-lugares-para-surfar
na Penínsola de Bukit (Bali)


www.testosteronasports.blog.br/.../os-20-melhores-lugares-para-surfar/
em Paia, Maui (Hawaii)



e agora ia pegar onda na Joaquina, sua praia predileta... onde seu amor pelo surf havia começado...



wp.clicrbs.com.br -
Lindos lugares por onde ela passou, surfou... curtiu a vida despreocupadamente.

Joana era do tipo de pessoa quem não se preocupava com o futuro, vivia um dia de cada vez - acho isso de grande sabedoria -; posso dizer que Joana era dessas pessoas que sabe viver.

Vou confessar uma coisa, algumas pessoas são tão fáceis de levar, dão tão pouca importância à vida, que chegar e ver a vida indo embora não me causa nenhum tipo de emoção. Mas há aquelas pessoas das quais penso: 'essa poderia ficar viva por mais um tempinho... ah! se a vida tivesse o poder de me mandar pra outras bandas!!'

Mas a vida não tem poder nenhum. O poder todo está nas minhas mãos, foi-me entregue  e, como boa obreira, faço minha obra... jamais serei chamada a atenção por não ter feito meu trabalho, tampouco por chegar atrasada, nem por chegar de forma errada.

Eu SEMPRE faço o que devo fazer, sempre chego na HORA certa e sempre chego da MANEIRA certa.

Joana pegou o carro de seu pai... e saiu feliz em direção às ondas.

Um barulho estranho no carro... mas ela não percebeu, afinal já fazia um ano que não dirigia o carro do pai... sentiu alguma coisa estranha... mas só pensou 'vixe papai deve ter esquecido de levar o carro pra revisão...' E continuou na direção da Joaquina... descendo o morro da Lagoa... linda Lagoa.

Joana se distraiu olhando aquela paisagem que sempre lhe dava a impressão de ser a primeira vez que estava olhando... já tinha visitado meio mundo, mas nada se comparava à vista do Mirante da Lagoa... chegou a esquecer que o carro estava com um barulhinho esquisito.

Eu tentei avisá-la, no comecinho da decida... o freio do carro não funcionou. Joana deveria estar prestando atenção no carro, na direção, no pedal... não se distrair com a paisagem...

A paisagem engoliu a vida de Joana... eu juro que tentei :(

domingo, 28 de abril de 2013

Sempre sei a hora de chegar na vida de cada um.... como sei disso, posso ficar parada próximo da pessoa que verá a partida de sua vida e a minha chegada observando os últimos instantes de vida que restam pra cada um.

Tenho milhares de histórias de observação... tantas histórias de observação quantas do fim da vida que presenciei. Também tenho histórias de observações de quase morte... quase... não cheguei na pessoa, passei de raspão, passei bem perto, quase me apossei, cheguei a entrar e ver a vida sair por alguns segundos...

Mas...

Quando não é chegada a hora de alguém, não é chegada e fim. Então só observo... passo por perto, dou até um susto na vida, que rapidamente dá as costas à pessoa que a teve... e volta esbaforida, instantes depois, quando percebe que eu estava apenas brincando de tomar conta do espaço... e eu complacentemente sorrio, pisco um olho e digo: 'haha... enganei você.... mais uma vez'.

E a vida envergonhada de ter sido mais uma vez enganada volta com tudo, toma posse do que é seu por direito, luta uma luta imensa e intensa contra mim. E daí e a vez de ela sorrir.

E eu a deixo sorrir... 'sorria - digo eu - sorria, enquanto você tem tempo'.... e penso com meus botões - botões, não.... visto apenas uma imensa capa (da cor que você quiser... deixo por sua conta imaginar), com um enorme laço ao redor do pescoço.... adoro laços... eles deixam tudo mais feminino.... penso com meu laço 'seu tempo terá fim... tão certo como.... aff... não preciso convencer ninguém disso... terá fim e fim.

Você já ouviu algo mais ou menos assim: quem ri por último ri melhor...!?

Sou sempre, eu disse SEMPRE, eu quem ri por último.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Qual é o sentido da vida?

Pra mim, é acabar com ela. É fazer deixá-la de existir, de ser, de estar...

Pra mim a vida é o ar que respiro, é meu alimento, todo meu suprimento.... preciso dela a todo momento, tenho-a constantemente em meus pensamentos.

Respeito-a também... deixo-a seguir seu rumo, aproveitar seus dias... dias completos de vida... deixo-a seguir com sua lida até o momento da própria partida.

Daí eu chego e tomo conta... mas enquanto não é minha vez, é ela no palco, é pra ela que as cortinas se abrem... os aplausos são dela... é pra ela que o Sol nasce e se põe, que a chuva cai, que as estrelas brilham.

Ela é a estrela...

A vida é a protagonista da toda história de vida....

Há quem me considere antagonista...

Mas, isso é outra história.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Sofia respirou fundo, na verdade, suspirou fundo. Estava tão apaixonada. Bernard não lhe saia da cabeça.

Havia decidido, hoje falaria com ele. Não importava ser ele casado; ela só precisava um pouco da companhia dele. Ficar ao lado dele, olhar nos olhos, tocar de leve seu rosto, abraçá-lo. Quem sabe um beijo de leve nos lábios?!

Não queria mais do que isso. Sabia que não teria. Sofia conhecia Morgana, a esposa de Bernard.

Ela era linda e inteligente. Tinha 27 anos, já fizera doutorado, falava inglês, francês, alemão e russo. Era médica também. Trabalhavam na mesma clínica.

Nas horas de folga, Morgana era escultora... uma artista.

Morgana e Bernard, juntos, pareciam um só, completavam-se e pareciam felizes... eram felizes, pensava.... Sofia nunca teria uma chance.

E Sofia também não era má, não queria destruir um lar. Tinha princípios, mas estava definhando com sua falta de esperança...

Então havia decidido: falaria com Bernard, diria que precisava dele, precisava passar alguns segundos por dia, pelo menos, com ele.

Um parênteses: Sofia não iria se satisfazer só com isso; você e eu sabemos que não é assim que funciona... mas ela achava que seria assim... e ia agir conforme sua forma de pensar.

Cedo saiu para correr na praia de Copacabana. O movimento já era intenso. A cidade acordara nervosa.

Sofia acabara de passar pelo Hotel Copacabana Palace, sempre se admirava com a beleza do lugar...

Um aglomerado de gente, buzinas, congestionamento, sirenes... um pouco mais à frente, percebeu, um acidente... e pelo jeito, grave...

Não queria parar para olhar, mas, como médica, sentiu-se na obrigação... e se precisassem de auxílio!?

Num primeiro momento não relacionou o Hyundai Tucson prata... mas a placa... ela sabia de cor aquela placa... um corpo no chão, coberto com uma toalha branca. Um homem todo encurvado sobre o corpo, sangue escorria da sua cabeça... as mãos, a roupa... era muito sangue.

Por um momento ela pensou: 'os dois se foram'... mas só por um momento. Ele num esforço tremendo levantou a cabeça, e ela viu uma dor que nunca tinha visto antes.

Abraçou-o... e tremeu... a única coisa que conseguiu pensar foi no que sua avó sempre lhe dizia: 'cuidado com o que você deseja, você pode receber".

terça-feira, 23 de abril de 2013

Londres, frio... muito frio. Os termômetros marcam cinco graus negativos. Neva aqui fora. Um mundo branco, pintado de cinza. Tudo negro, interrompido pelas luzes coloridas que piscam vagarosamente.

Piccadilly Circus... gente, gente que não acaba mais...

Catherine, 23 anos... vaga pelas ruas sozinha. Ela é sozinha desde que se conhece por gente. Pai, mãe, irmãos, tios, avós... claro que tem. Mas não passam de estranhos no ninho.

Tirou as botas e as meias...

Catherine estuda, faz Psicologia. Decidiu pelo curso para entender a vida, entender o ser humano, entender a si mesma... continua não entendendo nada.

'Sinto-me morta desde sempre'... são suas palavras preferidas.

'Drogas... quem sabe possam me fazer sentir viva?' Orgias de comida, bebida, sexo. Só aumentavam sua frustração. Qualquer coisa letal! Situações perigosas... nada tornava a vida real.

Perambulou por Piccadilly... decidiu conferir a estátua de Eros mais uma vez... a última vez.

Jogou aos pés da estátua o cachecol, as luvas, a capa...

Seguiu na direção do Big Bang... esperou até ouvi-lo tocar... a última vez.

Tirou a toca... tirou o blusão de lã...

O rio Tâmisa de braços abertos... há tanta vida no rio. Você já reparou que o rio se renova a cada segundo?

Tirou tudo o que havia sobrado.

Fechou os olhos... um salto e fim...

Quem viu? A London Eye....
O entusiasmo de Andressa era contagioso. Seus colegas de trabalho sentiam-se privilegiados de tê-la como amiga, colega, confidente.

Andressa, professora de Português, trabalha na E. B. Himmel há quinze anos. Amava o que fazia, amava seus colegas, amava seus alunos, amava sua vida. Tinha 37 anos, casada com James, um arquiteto com uma sensibilidade jamais vista... tinham dois filhos, Frederico, de 7 anos, e Ana Carolina, de 5 anos.

Nas férias, viajava... 'ia conhecer o mundo... todo o mundo'... sempre dizia... não deixaria de fora um cantinho sequer. Já estava planejando a próxima viagem: Indonésia... Passagens compradas, hotéis reservados... agora só esperar as férias chegarem.

Novembro... 27... sexta-feira. Lista de recuperação publicada no portal da escola.

Marcos Vinicius... um ótimo aluno, ótimas notas... normal, ou pelo menos era o que se via na superfície. Checou a lista, apenas por desencargo de consciência... sabia, pelas notas dos semestres anteriores, que passaria direto. Seria aprovado sem o stress de provas de recuperação. Muito menos de Português - uma de suas matérias preferidas.

Mas... coisa do destino? Seu nome na lista (só vou esclarecer... houve engano da secretária... ela digitou o nome errado, o nome da pessoa errada).

Marcos Vinicius... na superfície, a tranquilidade de um lago em um dia sem uma brisazinha sequer... no fundo... um turbilhão.

O pai, militar... a arma ao alcance da mão.

Um tiro, direto no coração... As férias não chegaram para Andressa...

A viagem? Para um lugar que não estava nos planos da professora...

A secretária... digitou o nome errado? Ou foi o certo?

Quando é hora é hora... não importa como chego... só sei que tenho de chegar e fim.
Decretado o fim da morte....

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Morte natural...Você já observou atentamente a vida indo embora da vida de alguém?

Você já observou atentamente a minha chegada? A vida está aí e no momento seguinte não há mais nada... de vida. Eu chego, ela parte em seguida... ou é simultaneamente a chegada e a partida?

Eu chego... a vida se vai e não fica nada. Pra onde vai a vida? Sou a Morte, sei quando devo chegar, como devo chegar... mas o que sei não passa disso. Há tanto antes disso... há vida... tenho inveja da vida, ela vive com as pessoas, acompanha-as desde o momento em que nascem, sabe tudo de todos. A vida é tão cheia de vida...

A vida é amada... eu, eu sou odiada. E olha que já falei, que é ela que não fica por perto quando chego, é ela quem vai embora...

Porque não podemos ter uma convivência pacífica? Poderia ser assim: eu chego, e ela fica...

Seria tão bom desfrutar um pouco da vida.

Também não sei nada depois de mim. Meu Deus como sou limitada... e sou mandada.

Um dia,eu juro, ainda vou me revoltar, vou cruzar os braços... quero só ver como o mundo vai ficar....
Manoel não era religioso. Mas todas as manhãs antes de sair da cama pensava em cada uma das pessoas que mais amava - Tania, sua mulher; Diego e Pedro, seus filhos - e pedia a Deus que os guardasse naquele dia.

E pulava da cama.

Banho, café, beijo e até logo.

Carros, ruas, buzinas, semáforos, apitos.

Rádio, notícias, música, propaganda, música, música, música.

Estacionamento, elevador, escritório, janela... ar da manhã.

A mesma rotina dia após dia.

Telefone, mais um cliente... solução... meia solução... falta de solução.

Almoço... passeio no parque.

Assalto... reação...

Bandido... fuga na contramão.

Corpo estendido no chão.

Manoel não era religioso....
Morte natural...extinção da vida. E sem vida o que há é morte.

Morte natural é o esgotamento natural da vida... Você sabia que as pessoas foram feitas pra viver pra sempre? Pois é...o homem foi criado para viver eternamente... mas houve uns probleminhas de percurso, depois da criação, e ele conseguiu a façanha de morrer.

E assim eu passei a existir. E há gente difícil de morrer, principalmente de morte natural... principalmente de deixar esgotar a própria vida...

Kristen era uma dessas pessoas... difícil de morrer. Tinha 98 anos e uma vitalidade que muita gente mais novinha não tem.

Viivia sozinha em sua casa no estado de Kansas, nos Estados Unidos da América. Era uma casa dessas que você vê em filme americano, De madeira pintada de branco, com as janelas azuis. Tinha um gramado lindo em frente e um jardim que ficava completamente florido na primavera...

Ana cuidava de tudo... da casa e de si mesma. Fazia cookies pros seus queridos vizinhos... era querida de todos.

Seu marido... seus dois filhos... eu já os levei há muito tempo... mas ela continua firme. Alimenta-se bem, faz caminhadas todas as manhãs... leva uma vida saudável. E a vida gosta da companhia de Kristen. Kristen é bem-humorada, é inteligente, é amável... como não gostar de uma pessoa assim? Como querer deixar uma pessoa assim?

Então é uma luta entre a vida e mim... uma luta que tanto você como eu sabemos quem vai vencer. É inevitável a minha chegada.

Também gosto de Kristen... enttão não vou deixar ela perceber que estou chegando. Hoje ela vai viver um dia normal, igualzinho a tantos outros que já viveu.. mas é seu último dia - ela nunca vai saber.

Depois da sopinha e da maçã que Kristen come todas as noites, um pouquinho de leitura... um afago no seu gatinho... e os olhos pesados de sono se fecham devagarinho.

Chego. Abro a porta de mansinho, me aproximo da cama devagarinho, envolvo Ana com carinho... e fim. 

domingo, 21 de abril de 2013

João, 18 anos, acabou de passar no vestibular... Medicina - seu sonho. Vai curar muita gente, vai ajudar muita gente a me deixar um pouquinho mais tempo longe.

Pedro, 47 anos, coveiro. Quando eu chego, a vida vai embora... e sem vida, ninguém consegue ficar na terra... precisa de uma cova. pedro, o coveiro, é quem prepara a dita cova.

Fernando, 35 anos, enfermeiro. Aplica a injeção, troca o curativo, alivia com um comprimido... melhora as condições de vida.

Evaristo, 56 anos, padre. Reza a missa, dá a comunhão, prega que se arrependam de seus pecados... no seu sermão o foco é outra vida. Consiga agora a entrada ao céu... garanta a sua estada.

José,. 12 anos, estudante. Futuro jogador de futebol - se deus quiser! Seu sonho é levar multidãos ao delírio... é fazer gols... alegrar de muitos a vida.

Manoel, 27 anos. Comerciante. Cuidar de sua mulher e filho. Dar a ele o estudo que não teve, a sorte que não conheceu... dar o que nunca recebeu.

Fabiana, 25 anos. Serginho, seu primeiro filho... vai lutar com todas as suas forças pra barrar minha chegada (coitada).

Mas... se o coração parar de bater...a vida vai embora... sem demora.

Parou... a morte chegou. O trabalho, as lutas, os sonhos... tudo acabou.
'Zanghing*', China.

O planalto tibetano, o maior e mais levado planalto do mundo, possui mais de dois milhões de km². É conhecido como 'o teto do mundo'. Como se formou? Pela colisão que ocorreu entre a placa Indiana e a placa euroasiática há aproximadamente 55 milhões de anos... muito, mas muito tempo atrás. Foi formado em um perído chamado Cenozoico - vida recente.

E o processo de formação não parou ainda não... prossegue, prossegue.

E as placas tectônicas continuam se chocando... deixando milhares de milhares feridos. E nesses lugares eu sempre chego.... ou 99% das vezes eu apareço também.

Shing* acordou cedo, hoje era mais um dia de busca por trabalho. Preparou-se para sair... queria encontrar algo para fazer, qualquer coisa, já estava cansado de ser um desempregado, mais um desempregado, neste mundo de falta de empregos.

Abriu a porta, colocou o pé para fora... e sentiu um tremor. Em um primeiro momento não entendeu bem o que estava acontecendo... foram apenas segundos... mas pareceu uma eternidade. Já havia passado por outra situação parecida, por isso, entendeu o que estava acontecendo.

Pensou em seus pais e irmãos que estavam na cozinha... correu para lá, mas o teto desabou sob sua cabeça. Ouviu gritos... e depois silêncio total.

De repente abriu seu olhos,  recobrou a consciência, seu corpo todo doía, mas mesmo assim entre os escombros arrastou-se até o que há bem pouco tempo era a cozinha de sua casa.

Sentiu o cheiro de queimado... a visão turvada pela densa poeira que se espalhava, gritou o nome de cada um de seus familiares... não houve resposta, gritou de novo, e mais uma vez, outra vez e nada.

Pouco conseguia ver em meio aos destroços, em meio a dor... as coisas pareciam confusas, sua cabeça rodava... em seus pensamentos tentava manter a lucidez.

Mas não era bobo, sabia o que tinha acontecido, sabia que do jeito que estava a cozinha ninguém conseguiria sair vivo. Grossas lágrimas rolaram pelo seu rosto... que dor, maior que qualquer dor causada pelo esmagamento de boa parte de seu corpo.

Você já sentiu a dor de um coração esmagado?

Um coração esmagado falha... e para. É uma grande maldade manter vivo um corpo meio esmagado em um coração completamente esmagado.

Então Shing fechou os olhos também....







Planalto Tibetano. Créditos: Jonas Bendiksen
*Nome fictício



sábado, 20 de abril de 2013

E se eu não existisse?

Como seria a vida sem mim? Você viveria, e viveria, e viveria, e viveria... durante um comprimento de tempo impossível de medir. Já pensou? Como seria viver... conviver com o interminável?

As pessoas bem que tentam acabar comigo... Muitos estão na busca da imortalidade. Será que conseguirão me vencer? Não quero ser pessimista (do ponto de vista da vida, of course), mas afirmo que não me vencerão.... Never! Sou invencível. Tudo o que nasce, morre... ou pelo menos quase tudo. E no que diz respeito ao homem... todos, definitivamente todos, passarão pelo estado da morte. Graças a Deus.

Nesses estudos que os humanos insistem em fazer, descobriram que pelo menos uma espécie, a Turritopsis nutricula, uma água-viva, desenvolveu a imortalidade biológica - por seleção natural. A consequência? Explosão demográfica mundial do organismo... pasme!

Pois é... ainda bem que eu continuo chegando... ainda bem que não foi decretada a morte da Morte, né?

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Posso se considerada a pior coisa do mundo,  mas estou apenas fazendo meu trabalho.

Ceifo vidas... dizem as pessoas. Com uma foice  levo embora o sopro vital...

Não tenho todo este trabalho, não. Eu simplesmente chego... a vida vai embora. Não levo embora nada comigo. Também não chego com uma foice... chego, sem nada. Sou eu - a Morte - e mais nada... e vou embora sem nada.

A vida também vai embora, mas eu não tenho nada com isso, não tenho nada com ela... eu só chego. Ela é que não consegue ficar quando eu chego.

Se você pensar um pouquinho, o problema não sou eu.... o problema é a vida - ela é que não consegue conviver comigo... ela é que não aceita dividir um corpo comigo. Ou é tudo dela, ou é nada dela. Então ela abandona tudo, quando eu chego.

Veja bem, ela é quem vai embora primeiro... eu não consigo tomar posse se ela tem a posse.

E só pra provar: Pense um pouco: quantos bilhões de pessoas cuja vida já foi embora. Imagine se eu tivesse levado algo delas comigo... não teria onde colocar tudo, estaria cansada de carregar seja lá o que for.

Chego vazia... vou embora vazia...

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Juvenal não conseguia passar um dia sem uma tremenda bebedeira. "É esta vida que levo... esta droga de vida", justificava ele. "Não tenho trabalho decente, não tenho dinheiro suficiente...então bebo, bebo sim." E bebia... bebia todo dinheiro que recebia como pintor de casa. Pintava uma casa, ganhava um dinheirinho, gastava... e pintava outra casa, ganhava.... e repetia tudo de novo outra vez.

Tinha 42 anos de vida infeliz. Tinha uma esposa que a cada bebedeira prometia que amanhã iria embora. Tinha três filhos - Manoel, Fernando e Paula. Eles moravam com a avó. Era mais seguro, era mais vida.

Terça-feira, 5 de março de 2013, um dia qualquer como todos os outros pra Juvenal. Pegou seu Fiat (bem velhinho) desceu da favela onde morava... e foi pra Zona Sul do Rio. Tinha um apartamento bacana pra pintar... já estava no finzinho.

À s 16 horas terminou. Dona Mercedes pagou tudinho, e Juvenal saiu feliz da vida... Sentou num barzinho e uma cervejinha, outra cervejinha, mais outra, mais uma... até que perdeu a conta.... bebeu, sem parar, durante três horas.

Pegou o carro, tudo girava, mas ele estava acostumado. O normal pra ele era tudo girar, e ele se garantia no volante.

Marina, 25 anos, mamãe de Carolina, 5 meses. Marina trabalhava até às 18 horas, e Carol ficava na creche, pertinho de casa. No fim do trabalho, Marina passava na creche, colocava Carol tão cheirosinha, tão sorridente no carrinho, dava um passeio pelo parque e voltava para casa.

Essa era a rotina da semana na cidade. Sábado e domingo era o campo.

Terça-feira, 5 de março, 18:50 Marina e Carol vinham pela calçada... felizes e seguras. Marina estava com dor de cabeça nesse dia - resolveu não passear no parque. Encontraram Bianca... alguns minutinhos de conversa... fatídicos minutinhos.

Uma dor de cabeça - mudança de planos. Um carro desgovernado - calçada é lugar de pedestre. Foi uma questão de segundos. Um embriagado, uma conversa que não estava no script... o lugar errado, no momento errado. E o carrinho do bebê foi arrastado... não sobrou nada. Deu tudo errado.

Não, nada deu errado, aconteceu exatamente o que estava no meu script.

Alguém ainda pensa que pode determinar quando eu vou chegar (ou deixar de chegar)? Alguém ainda acredita que pode me evitar?
Isso não existe, quando é hora, é hora... de um jeito ou de outro eu chego e levo você embora.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Ventava muito naquela madrugada. João acordara às 4 horas e se preparava pra ir pro mar. Arlete, sua esposa, acordou e sonolenta arrumou a mesa pro café. A toalha xadrez branco com vermelho, em cima da mesa simples de madeira... uma caneca de lata com café com leite quentinho, três pãezinhos, que ela rapidamente esquentou na frigideira pra ficarem sequinhos como seu Jô gostava, manteiga e duas roscas de polvilho. O café de todo dia... Ela só tomou um golinho de café pretinho

Preparou, na sacola, um lanche. Pão, água, bananas e três roscas de polvilho. Eram as últimas... tinha de lembrar de fazer mais naquela tarde.

João pegou sua tarrafa e tudo o que precisava para uma boa pescaria. O mar era seu sustento, do mar ele trazia o sustento para a família... exatamente como seu avô e seu pai haviam feito. Tudo igual, era a história se repetindo.

Às 4:30 abriu a porta da casinha de madeira e sentiu uma lufada do vento frio da madrugada... ia ser um dia daqueles. Mas ele estava bem agasalhado... não ia passar frio... também já estava acostumado com o frio.

Arlete enganchou no braço do seu velho e, como todas as manhãs acompanhou-o até o barquinho. Ajudou-o a organizar as coisas, ajudou a empurrar o barquinho pra água... estava fria, muito fria (por que ela teve a sensação de que naquele dia a água estava um pouquinho mais fria do que em qualquer outro dia que tinha molhado os pés?).

'Vai com Deus, meu velho... e volta com Ele'... 'E você fica com ele.' Eram sempre as mesmas palavras. Beijou o rosto enrugado e sorridente (quase sem dentes) de seu marido, sentou na areia, abraçou suas próprias pernas e ficou olhando-o ir mar adentro. Forçou os olhos pra ver um pouquinho mais o ponto minúsculo em que havia se transformado o barquinho.

O sol já começava a se espreguiçar... seus primeiros raios surgiam lá no horizonte. 'Como é lindo', pensou ela.

No caminho de volta, sentiu um aperto no coração... uma dorzinha... uma dor pequenininha que se transformou numa dor quase insuportável... que se tornou rapidamente insuportável... Já enxergava as luzes fraquinhas de sua casa... mais uns passos, só mais um pouquinho... até conseguiu colocar a mão na fechadura, mas não teve forças pra abrir. Encostou o corpo na porta, escorregou devagarinho, sentou nos degraus e fechou os olhos....

Foi tudo tão mansinho...

domingo, 14 de abril de 2013

Há certos lugares em que é meio óbvio que vou estar... hospitais, por exemplo. Lá uma companheira está sempre presente... a Doença e, muitas vezes, é inevitável que eu chegue onde ela se instalou.

Que fique bem claro uma coisa. Doença é Doença, e Morte é Morte. Chamei-a de companheira, mas não quer dizer que sejamos próximas, que façamos planos juntas, que maquinamos contra ou a favor da vida de alguém.

Ela tem seus próprios planos, faz o que quer com quem quer. Age por conta própria. E eu não sei como ela decide atacar alguém, prostrar alguém ou, simplesmente, passar de levezinho. Ela também não está preocupada comigo, não sabe de meus planos. A única coisa que sabe é que, às vezes, ela está lá e eu chego lá também. E quando eu chego ela vai embora. Na verdade, quando chego qualquer coisa vai embora. Fica só eu: a Morte.

Mas também há certos lugares em que apareço que não é tão óbvio... inclusive é até meio raro eu aparecer nesses lugares.

Katy e seus dois filhos, Martin e Kelvin, chegam em casa. Ela liga a TV e vai tomar seu banho de banheira - pra relaxar. É sagrado, seu banho de banheira é sagrado... 'não me incomodem', diz ela aos meninos.

Na TV nada de interessante. 'Vamos brincar de esconde-esconde?', pergunta Martin, de sete anos, ao irmão caçula, de cinco. 'Vamos, sim.' E Martin vai se esconder.... gritando 'você nunca mais vai me ver'.

Desce ao térreo da casa, entra na lavanderia. Seu pai, Ken, havia chegado de viagem no dia anterior e a mala estava lá, pra ser lavada por Mary, a diarista. Martin abre a mala, entra e com alguma dificuldade consegue fechar o zíper. Grita 'pronto!'.

Kelvin procura, procura, procura... e nada. Desce à lavanderia, olha atrás de tudo, abre porta de armários, olha até dentro da máquina de lavar roupas (onde uma vez havia se escondido). Martin, dentro da mala, prende a respiração... nem um músculo se mexe... só prestando atenção nos passos do irmão, no abre e fecha de coisas.

Kelvin corre para os quartos... e nada. Volta pra sala e, na TV, um programa legal! Senta no chão e  se esquece do irmão, absorto no desenho animado...

Passou-se uma hora, a mãe sai do banho, prepara um lanche e chama os garotos para lanchar. Kelvin aparece na cozinha, Matin não... 'ele está escondido, mamãe, não consegui encontrá-lo'.

Saem os dois à procura. E procuram, procuram... quando o pai chega ajuda... e nada. Claro que foram à lavanderia, vasculharam cantinho por cantinho da casa... e fora da cas também.

Martin, dentro da mala, prende a respiração, fecha os olhos e, vencido pelo cansaço, dorme... dorme... e dorme. Daí eu cheguei, e ele não acordou mais.

Vizinhos, polícia, cartazes por quase toda Bakersfield, no interior da Califórnia...

Só três dias depois, Mary, ao pegar a mala pra lavar, primeiro achou estranho o peso e se perguntou 'Dona Katy não desfez a mala? Que estranho!. Então abriu....

sábado, 13 de abril de 2013

Frio, frio, muito frio. Um dos lugares mais frios deste planetinha que se acha o centro do mundo.
Uma fortíssima nevasca esfriou ainda mais o continente frio da Antártida. Um continente gelado...

Algumas pessoas acham que eu sou gelada (mas é só porque encostam nos corpos frios dos seus mortos). Digo uma coisa: não tente me descrever, você não vai chegar nem perto de dizer como sou. Você não me conhece e quando puder dizer que me conhece, não poderá dizer nada porque estará mort@. E mortos não falam... pelo menos não como os vivos. E como meu objetivo aqui é apenas contar como aconteço no mundo dos vivos, jamais você me ouvirá contar como é o depois.

Adoro surpresas... adoro tanto que quando posso chego de surpresa. Então, não quero estragar a sua surpresa quando estiver mort@... morra e verá com seus próprios olhos como sou. Até lá nem tente me descrever... você vai errar em cheio, se seguir o senso comum... e mesmo que seja criativ@, você vai errar.

Voltando pro frio da Antártida - que você pode dizer que é frio porque sabe que é -, eu estava falando da nevasca que cobriu mais ainda de neve todo o continente...

Carrie acordou cedo naquele dia... abriu a janela, olhou pro céu e viu que estava limpo o suficiente pra ver a lua cheia à noite. A lua cheia na Antártida é linda!  Embora quase não exista mais noite por aqui... mesmo assim é lindo! É branco + branco + branco... tudo iluminado pela lua... é prata.

Vestiu-se: uma segunda pele, uma meia calça, uma calça de lã, um sweater bem fofinho, uma casaco bem grossinho, luvas, touca e um cachecol. Olhou-se no espelho e não gostou nadinha do que viu... parecia um bujão de gás (mulheres são vaidosas... eu sei, eu sei). Mas, não havia jeito... ia de bujão de gás mesmo.

Colocou as botas e saiu. Ah! deixe-me contar um detalhe: tudo o que vestiu era muito colorido e naquele fundo branco que não acaba mais... achei-a simplesmente mais linda. Não consegui tirar os olhos dela, fiquei perto demais.

Claro, ela nem percebeu.... sempre que andava naquela imensidão branca, perdia-se em pensamentos, admirando-se de como tudo aquilo era lindo. E eu não estava nos pensamentos dela... 'a morte é feia', é isso que ela pensa de mim.

Magoou... eu a acho linda.

Carrie estava passando pelo mesmo caminho que seguia todos os dias para chegar ao escritório central dos pesquisadores, onde trabalhava como cientista. Linda e inteligente.

Percebeu que ainda tinha alguns minutos antes de começar a trabalhar... desviou-se de sua rota habitual, seguiu por um caminhosinho que ia dar ela não sabia onde. Andou, andou e andou um pouquinho mais... sozinha, pensava ela, só eu tenho o privilégio de ver a beleza deste lugar. 'Aqui não há lugar pra morte... tudo é vida', falou com seus botões.

Tremi. E, quando eu tremo, sai de perto. O que aconteceu depois? Depois do meu tremor? Oras, uma avalanche, claro...

E à noite, a lua cheia estava lá...ma-ra-vi-lho-sa. Eu vi, Carrie, não.
Oi, tudo bem?

Se você está diante desta tela de computador recebendo meu cumprimento é porque eu ainda não cheguei pra você. Talvez eu já tenha chegado bem perto, mas, como não era a sua hora, só cheguei perto, não tirei nada de você. Não tomei o que você tem de mais precioso: sua vida. Passei de raspão, mas não era sua hora e eu fui embora.

Só você tem sua vida, e a sua vida é só de você. Você deveria ser mais forte do que eu, obviamente. Ou você não ama sua vida pra querer segurá-la com todas as suas forças? Sua vida não é importante pra você a ponto de largar tudo pra ficar só com ela? Quão pouco é o seu amor por sua própria vida que não luta e ganha essa luta?

Ah! não venha me dizer que você está preocupado com outras tantas coisas e não tem tempo pra pensar nisso. Depois não vá dizer que eu não avisei...

Sou atarefada... atarefadíssima, por sinal. Não paro, nunca parei... trabalho em várias frentes ao mesmo tempo. E, olha, tirei um tempinho pra contar pra você alguns fatos ... reais. Sei, aí há uma redundância - se é um fato, é real -, mas estou sendo redundante propositadamente... talvez assim você preste mais atenção em mim e consequentemente em sua vida. Você, de verdade, quer perdê-la?

Vamos, lute comigo.... estou dando uma chance de lutar, de mostrar quão importante é pra você sua própria vida.

Ah!, mais uma coisinha... muitos lutaram comigo até o fim. Não me aceitaram passivamente. Lutaram, esbravejaram, ficaram com marcas profundas no corpo e na alma... sobreviveram (deixei-os pensar que ganharam). Mas, você sabe, foi por um tempo só; quando chegou a hora eu cheguei e levei-os embora... e fim!

E você?

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Manuela... trabalha no centro da cidade. É arquiteta, tem 29 anos. Hoje, como em todos os outros dias da semana, acordou cedo, foi pra academia e depois pro escritório.

Atendeu clientes, iniciou a elaboração de um projeto dos banheiros da casa de Sandra, sua amiga.
Na hora do almoço, comprou um perfume para usar no encontro com Sandro, seu namorado.

Naquele dia, eles completavam um ano de namoro. Eles realmente se amavam, faziam planos, projetos pro futuro... ela iria projetar a casa dos seus sonhos... pros dois.

Sandro é médico e trabalha em uma clínica a mais ou menos trezentos metros do escritório de Manuela. Também tinha seguido sua rotina de trabalho, atendendo seus pacientes e feito uma cirurgia naquela dia.

Haviam combinado de se encontrar às 19 horas no barzinho que ficava mais ou menos na metade do caminho dos dois.

Às 18:45 horas, o celular de Manuela toca. Era Sandro. Felizes os dois saíram de seus locais de trabalho, sempre conversando ao celular. Um indo na direção do outro. Conversando sobre o amor lindo que estavam vivendo... 'coisa que poucos têm'... 'amo você'... 'e eu amo você'... 'amo mais'.... 'não, eu amo mais'....' faltam dois minutos pra eu beijar, beijar, beijar você'.... 'e pra eu beijar, beijar, beijar você'... e riam, felizes e distraídos.

Sandro começou a atravessar a rua... já via Manuela em seu lindo vestido estampadinho.... só tinha olhos pra ela... depois dela, tinha ficado cego pro resto do mundo.

Tststs... não olhou pro lado, nem viu o Pagero.... não chegou do outro lado da rua... não houve jantar... os projetos... meros projetos.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Hoje é apenas mais um dia na vida de Roberto.  Mais um dia de vida para ser vivido.

Casado há 15 anos, tinha três filhos: Juliana, Débora e Fernando. Sua esposa, Maria Clara, é professora de História Contemporânea em uma Universidade.

Roberto, engenheiro eletricista, trabalha em uma multinacional. É feliz no seu trabalho, fazia o que gostava. É feliz com sua família... cada um deles, pra Roberto, era como um presente de Natal. Tinha planos... como quase todo mundo tem. Era um homem equilibrado, planejava, sim... sonhava, sim... mas tinha os pés e a cabeça no chão.

Depois de deixar Clarinha na Universidade, foi para seu trabalho. Havia uma rotina e ele a cumpria rigorosamente. Havia um recado de seu diretor "Venha até à minha sala". Roberto foi. Eram amigos e Roberto já sabia, ou seria convidado para um churrasco no fim de semana, ou havia algum chuveiro elétrico na casa de Fábio para consertar.

Fábio não se acanhava de pedir ao amigo que consertasse uma tomada, um fio solto, um chuveiro... ou qualquer coisa que deixasse de funcionar em sua própria casa. Eram amigos de longa data e ele só confiava em Roberto qaundo se tratava de qualquer coisa ligada à eletricidade.

Roberto não se importa... para ele trocar tomadas, chuveiros... puxar um fio de luz de cá pra lá, de lá pra cá, era um hobby.

Dito e feito. Havia um probleminha na banheira de hidromassagem na casa de Fábio.

Roberto decidiu que o melhor momento para verificar o que havia acontecido era aquele. No começo da manhã, ainda estava tudo tranquilo na empresa. E foi...

Depois de detectar o problema, saiu para comprar a peça que precisava ser trocada. Voltou, trocou. E retornou para o trabalho.

Parou no sinal vermelho do primeiro semáforo do caminho... ficou observando as luzes vermelhas até ver surgir o verde. Soltou lentamente o pé da embriagem e acelerou... Um micro-ônibus chocou-se com seu Fiat/Idea. Roberto sentiu o choque e ainda conseguiu ouvir o som distante da sirene da ambulância e as luzes vermelhas se aproximando, piscando... piscando... piscando...até tudo parar totalmente.

Mais um dia na vida de Roberto... menos um dia daqui pra frente.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Eu posso chegar de forma doce, suave, tranquila...às vezes...

João estudou o dia todo. Amava Tecnologia da Informação - sua área de estudo -, amava sua vida, amava viver. Amava Fernanda, sua companheira, amiga, amante.

Ele tinha 27 anos e muita energia. Sorria pra vida e a vida lhe sorria de volta. Tinha planos. Havia acabado de entrar no Doutorado. Depois disso, ia viver um tempo na Europa, com Fernanda. Adorava viajar... e seu país, o Brasil, já havia percorrido de ponta a ponta com sua outra paixão - moto; também já andara por outros lugares nas Américas. Havia visitado desde ambientes inóspitos, poderosamente belos, até lugares de uma beleza tão natural... tão suave que parecia estar no quintal de sua casa. Mas ainda havia lugares para conhecer.

Chegou na casa de sua mãe, colocou uma bermuda e uma camiseta. Tomou um suco geladinho de acerola, comeu os deliciosos pasteizinhos de camarão que ela acabara de fritar. Agora ia passear na praia... descansar e sonhar com sua próxima viagem... com o resto de sua vida.

O telefone tocou. Era seu amigo Mauricio com problemas. João tinha um bom coração, beijou sua mãe, pegou sua moto e voou rumo à Lagoa da Conceição. Para chegar lá precisava pegar a BR... e, sim, tinha de voar, eram mais de 50 km da Praia do Rosa até a Lagoa... E o amigo não estava nada bem.... e João adora voar com sua moto.

Não havia andado 5 km... foi o tempo de ver o caminhão vindo em sua direção, na contramão... João e sua moto... a última vez que pegaram uma BR juntos.

domingo, 7 de abril de 2013

Lá fora um sol tímido passava por entre as ramas das árvores. Os passarinhos voavam de lá pra cá num alegre e leve movimento. Duas lindas borboletas passaram bem rente à janela... o ar estava perfumado com as flores do jardim.

Léo, em sua cadeira de rodas, olhava tudo aquilo pela milionésima vez. Desde que entrara no asilo, entrara, não... fora colocado, contra a vontade, por seus filhos... 'é um lugar ótimo'... 'há pessoas que cuidarão do senhor o tempo todo'... 'há passeios, há diversão'... 'Tudo isso', lembrava ele, tinham dito eles... 'só pra convencê-lo'.

Estava cansado, desiludido, triste e só. Da vida não esperava mais nada. Todas as manhãs pedia à enfermeira que o colocasse em frente à janela. De lá, via o céu azul, as árvores, verdinhas... as flores de todas as cores... os pássaros... a vida (ou tudo diferente, conforme a estação). Deixava essa vida lentamente passar pelos seus olhos, entrar em sua mente e lá ficar. Não queria mais nenhum tipo de lembranças. Não queria lembrar do câncer que o corroía pouco a pouco... lentamente.

Que agonia essa lentidão...

- É hoje, tem de ser hoje - dizia de si para si... todas as manhãs.

Mas ainda não era! E outro dia... outro dia... outro dia.

Quem decide sou eu... chego na hora que quero. Você pode até implorar, não vai adiantar... suas lágrimas também não me comovem.

Mas, eu chego... e pode ser hoje.

Léo fixou o olhar na roseira vermelha bem à sua frente... 'havia três rosas a menos de ontem', pensou... 'quantas haverá amanhã?', perguntou de si para si (ele contava as rosas da roseira sempre).

Fechou os olhos....nunca soube quantas rosas estavam na roseira amanhã.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O sol batia forte em suas costas. O suor escorria pelo corpo. Os pés doíam. Mas Fabíola não iria desistir no meio do caminho. Tinha um excelente preparo físico; a piscina do clube já sorria ao vê-la chegar; sua bicicleta... o melhor equipamento que já se viu sobre a face da terra... seus pés perfeitos em tênis perfeitos.

Começou bem. Muito bem, melhor dizendo. Os 1.500 metros de natação foram vencidos com uma tremenda facilidade.

Seguindo com sua magrela, companheira de todas as horas, fez os 40 km num tempo nunca antes conseguido.

Agora é só correr... correr e vencer.

Estava confiante... toda confiança do mundo. Sua confiança era um ato de fé... mas não uma fé qualquer... era uma fé racional, calculada. Era uma confiança acompanhada de inteligência e de energia... uma confiança de quem realmente sabia o queria. Queria a vitória e seus pés à vitória lhe levariam. Era certo... certíssimo.

Correr... correr... correr...

E seus pés iriam obedecer. Eles a levavam para onde quisesse, na velocidade que quisesse. E só faltavam 4 km... os pés lhe obedeciam...

Mas não são só os pés que movem o corpo humano, né? Pois é, o coração falhou... tum-tum.... tum-tum......tum-tum....   tum    tum    tum
e parou.






quarta-feira, 3 de abril de 2013

Chego a vários... muitos lugares ao mesmo tempo. Tempo e espaço não são, nunca foram problemas pra mim. E eu não paro de acontecer. Aconteço no mínimo de uma vez por dia até mais... bem mais de cem mil vezes por dia.

Chego de uma meneira... ou de outra. Às vezes me repito... às vezes aconteço de forma totalmente inusitada. Tudo depende do meu humor.

Marcia Cristina, 16 anos... Reveillon no Rio de Janeiro, Carnaval no Rio de Janeiro... não sabe ao certo quando aconteceu. Só sabe que aconteceu porque a gestação de um bebê é visível... a partir de um determinado momento, é visível.

Foi dificil, mas Marcia conseguiu esconder. Sua mãe, D. Paula, estava ocupada demais em trazer comida pra casa pra alimentar as quatro bocas que dependiam dela.

Marcia Cristina não queria um bebê, não programou um bebê; mais uma boca pra alimentar... E ela tinha programado algo bem diferente para seu próprio futuro - não queria nem sombra de dependentes; mas o bebê aconteceu. Todas as noites, ela fechava os olhos com força e desejava com mais força que o bebê não existisse, que tudo não passasse de um terrível pesadelo. "Amanhã de manhã eu vou acordar e vai estar tudo igual ao ano passado", pensava ela... deseja ela do fundo do coração.

Começa a primavera... uma linda manhã - uma manhã ensolarada, perfumada. Mas alguma coisa não está bem... uma dor como nunca havia sentido, não consegue sair da cama... e olha que ela se esforça. Mas não dá. Se encolhe, aperta a barriga, a dor cada vez mais forte... a cama molhada... grita e faz força... grita e faz força... alguma coisa parece ser arrancada de dentro dela.

Num esforço incomum, sentou e olhou... sangue, muito sangue...e mais um monte de coisa que não tinha a mínima ideia do que era. E no meio daquilo tudo um corpinho, uma boneca, toda molinha, roxinha. "Vou morrer", pensou.

Marcia Cristina não era meu foco, mas o bebê nunca aconteceu... não havia rastros, provas... nada que dissesse que algum dia ele existiu.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Já falei que só existo porque você existe. Se você e outros vocês por aí não existissem, eu não existiria. E tenho certeza de que você concorda comigo.

Tudo começa com o nascimento de alguém. Alguém nasce, tem origem... começa a vida. Antes de alguém morrer tem de nascer. Então se ninguém nascer, ninguém morre. Pronto!

A culpa não é da morte... é da vida. Ou de quem gera a vida. Não vou entrar no mérito de quem origina a vida, mesmo. Vou ficar no nível de quem é homem + quem é mulher e quer virar pai e mãe. E decide gerar uma vida. Tudo começa aí. Não comece... não vai me ter por perto. Pronto!

Ana e Paulo... um homem e uma mulher. Tão felizes juntos, um completava o outro. Mas não achavam ser suficiente. "Vamos ter um bebê." Aí começou o problema. Você acha que eles não sabiam que tudo o que nasce morre? Claro que sabiam... mas, mesmo assim decidiram.

E conseguiram... geraram uma vida.

O quartinho todo branco... as roupinhas amarelinhas... branquinhas... até o ultrassom. E aí... Manoela... o quartinho começou a ganhar outras cores: o tradicional rosa... florzinhas rosas no babadinho da cortina, nas almofadinhas em forma de coração, redondinhas, quadradinhas... e os xadrezinhos. Ana adora xadrez. Ah! E violeta... tapetinho violeta, toalhinhas violeta, lençóizinhos violeta e rosinha...

Chegou o dia. O bebê chorou... tão fraquinho, mas chorou - "porque chegou a esse imenso cenário de dementes" (William Shakespeare)... chorou um pouquinho e parou. Tristeza sem fim... é, verdade, mas é uma tristeza que nem precisava ter começado.

Sou cruel? Não, não sou... só cumpro minha função.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

James W... 27 anos, chegou aonde queria. Os palcos do mundo, shows, a fama, ser reconhecido nas ruas, os gritos histéricos das fãs.

Os gritos histéricos... Isso estava deixando-o louco. Lembrava-se de quando podia andar pelas ruas, pegar onda, comer um simples hot dog na esquina... da menos movimentada das cidades.

Correu o mundo, Paris... Amsterdã... Londres... Nova Yorq, eram o quintal de sua casa. E ele se divertia, ria, vivia.

E o dinheiro!? Agora podia comprar o que quisesse, o quanto quisesse.Comprava, comprava, comprava... e comprava.

Estava ficando louco... os gritos não o deixavam em paz.

E ele lembra que só bebia água, suco - natural... levava uma vida tão natural. Um gole de vinho, uma gelada, a busca por momentos mágicos, por alívio dos gritos em sua cabeça... a cocaína - meio alívio; o crack, o alívio total.

 Dor? Cansaço? Os gritos? Somem como que por encanto. Satisfação... sente-se bem o coração... e quer mais, e quer mais, e quer mais. Que bem-estar!

James W. Forte candidato à morte. Acordou ao meio-dia. "Outro dia? Não aguento mais.... quero paz... QUERO PAZ!

Saiu de casa, correu pra praia, se jogou no mar... deixou as ondas o corpo levar...

E eu nem precisei molhar os pés...

domingo, 31 de março de 2013

Sou a morte. Você tem me acompanhado nesses últimos dias. Não, pensando bem, você não tem me acompanhado... você não conseguiria... não suportaria. Ninguém tem estômago pra me suportar em toda a minha totalidade. Estou apenas me revelando um pouquinho pra você. Revelando como chego. E só vou até aí.

Não revelarei mais detalhes do que você pode suportar. Não quero tirar seu sono. O sono é meu primo e respeito-o... assim como respeito você. Quero que você viva uma vida boa.... que tenha bom sono e bons sonhos.

Quando chego, a vida vai embora; não tem jeito, é assim desde que o mundo é mundo. O que acontece no segundo seguinte à minha chegada já não compete mais a mim. Eu só tenho de chegar... acabar com a vida. O depois é trabalho de outro, de outros...

Fui incumbida desde que sou o que sou de chegar a todas as pessoas. Nenhuma vai passar pela terra sem passar por mim. Ou eu passar por elas. É a lei da vida... e a lei da morte.

Gosto de ouvir as pessoas falarem de mim. Já ouvi cada coisa. É engraçado, só de ouvir a palavra 'morte' algumas pessoas sentem medo. Não deveriam ter medo de mim; no máximo, talvez, alguns vários deveriam ter medo do que vem depois. O depois pode ser verdadeiramente aterrorizador, pra alguns vários.

No fundo, acho que não é exatamente medo de mim que uns têm... é medo de como eu posso chegar, com dor, com sofrimento. É, às vezes eu chego assim mesmo... mas não sou eu que causo a dor e o sofrimento, se você pensar bem. Dor e sofrimento sentem quem tem vida; quando eu chego eles já estão instalados, tomaram conta. Eu chego, eles acabam. Então, não me culpe. Não causo dor em quem chego.

Sim, causo dor em quem fica. Mas isso não é responsabilidade minha. Não tenho nada a ver com isso.

Eu sou a morte... não que talvez isso importe pra você (hoje).

Continua....
Domingo de sol. "Maravilha", pensou Luis, "ótimo dia pra um churrasquinho de inauguração da laje."

Luis, 37 anos, mestre de obras... obras pros outros (dizia a mulher, Sônia). Até que enfim sobrara um dinheirinho pra terminar a laje da sua casinha. Não exatamente terminar, mas já dava pra reunir dois ou três casais de amigos e fazer um churrasquinho no domingo; colocar uma piscina (que um dia ele iria comprar) pras crianças - Maria Luiza e Rafael - seus filhos, e os filhos dos vizinhos, e... uma geladinha no fim de tarde, e.... bem, continuava sonhando Luis.

Ainda não estava exatamente como queria, faltavam os acabamentos, queria cercá-la, também. Precisava impermeabilizar...

Lembrou do dia da concretagem... os amigos ajudando... que mutirão! E agora, um churrasquinho pra comemorar. Chamou o pessoal da ajuda abençoada.

Maria Luiza e Rafael, 5 anos... gêmeos. "Meus filhos? Duas crianças lindas, pele morena como a da mãe, cabelos encaracolados e inteligentes como a mãe", era o que Luis sempre dizia orgulhoso, e completava "um presente de Deus."

E realmente ele tinha razão (outro dia conto mais detalhes).

Na casinha de 60 m² tinha um quartinho, pequeninho, mas bem confortável, para D. Inês, mãe de Luis. Estava fraquinha ela. Tudo havia começado com uma dor abdominal, febre, perda de peso...O diagnóstico? Doença de Crohn que evoluiu rapidamente para um câncer no intestino. Estava no limite entre conseguir fazer alguma coisa por conta própria e a invalidez.

Mas era bem cuidada... ninguém duvidava que iria melhorar.

13 horas.... a maior festa na laje, as crianças brincavam felizes, o aparelho de CD intercalava samba e pagode... aquele cheirinho tão famoso de churrasco (hummmmm) no ar... a conversa seguia animada... um clima de felicidade.

"A boia está pronta!", exclamou animadíssimo Luis... "Rafael?! Rafael?! Cadê Rafael?" "Ele acabou de descer", falou Marisa (outro dia conto detalhes), sua vizinha da casa em frente.

Luis se dirigiu a escada e colocou o pé no primeiro degrau, pronto pra descer. "Papai, papai!!", ouviu seu filho chamar... "O que é Rafinha?"  "Suba, venha comer!"... "Papai... a vovó não quer acordar..."

Sim.... eu tinha acabado de passar por ali.

Continua....


sábado, 30 de março de 2013

Katsuo, 68 anos. Ao olhar seu rosto e ver a pele encarquilhada, com dobras, seca, flácida, quebradiça e cheia de manchas senil, causadas pela intensa exposição ao sol, e suas mãos não menos encarquilhadas e trêmulas, parece ter mais de 80 anos. Mas o pior eram seus olhos encovados como que prenunciando sua próxima morada.

Katsuo vive em Kyushu, em Minamata, desde que nasceu. Vive em uma parte da ilha pouco povoada... com poucos casebres, distantes uns dos outros.

Eram 6 horas da manhã, Katsuo abriu seus olhos sonolentos. Aquela maldita tosse fizera-lhe companhia a noite toda... como já há pelo menos três meses. A tosse começava devagarinho, parecia um leve pigarro. Cof.. cof... cof... aparecia sem pedir licença e se instalava.

Ia aumentando, parecia que ia arrebentar o peito, o corpo todo doía... "Tenho de resolver isso", pensou ele, enquanto se arrastava pra fora da cama, pra fora do quarto, pra fora do casebre.

Olhou para as montanhas ao seu redor... respirou profundamente o ar puro e sentiu a costumeira ardência no pulmão. Sentou no banquinho ao lado da porta... encostou-se lentamente na parede, olhou mais uma vez as montanhas que amava mais que tudo naquele lugar,  fechou os olhos e, sem pensar em mais nada, aí ficou para alívio de seu corpo cansado, no consolo da morte...

Sou boazinha....sim...

Continua...
Marcelo...

Alto, loiro, olhos esverdeados, 27 anos.... um gatão, dirão as gatinhas, né!?

Desde criança uma enorme paixão por esportes. Futebol, foi o primeiro... depois, tênis, natação, taekwondo - uma arte marcial coreana (sei que há outras grafias... além de inteligente, tenho muito conhecimento, sim). Marcelo sempre participa de campeonatos e sempre fica em segundo ou em terceiro lugar.

O maior sonho de Marcelo é ostentar a medalha de primeiro lugar. E ele vai chegar lá... pelo menos é no que acredita... é a sua motivação para acordar todas as manhãs às 5 horas. treinar, correr, levantar peso, correr.... respirar fundo, tomar banho e ir para o trabalho.

2 de janeiro de 2025.... hoje não seria diferente....talvez apenas pelo fato de que não iria trabalhar, estava curtindo seu primeiro dia de férias.

Acordou no horário de sempre, desceu pra sua academia particular, no primeiro piso de sua casa, que fica na rua detrás do edifício de Pedro. Uma casinha simpática, tão simpática que inibe a minha entrada. Tenho brios, sim... se você quer saber.

Ficou lá uma hora. Subiu pra cozinha tomou um copo de energético (uma mistura meio incompreensível que sua mãe prepara no liquidificador todos os dias). Ela vai se sentir tão orgulhosa quando seu filho ganhar o primeiro  lugar em uma competição. "O segundo lugar, por Marcelo, é muito pouco", fala sempre ela com orgulho para as amigas. "Tenho de lembrar de nunca mais falar sobre isso com Joana", pensa ela com grande tristeza naquele dia.

E saiu para correr. Faz um pouquinho de alongamento em frente ao prédio de Monica, expiando com o canto do olho a porta de entrada do edíficio.

Monica também tem uma rotina matinal - que outra hora conto pra você.

Sai do edifício, pontualmente, às 7:15 horas, a Monica. "Linda, linda como sempre", pensa Marcelo que a segue com os olhos enquanto ela atravessa a avenida Beira-mar. Ops, hoje ela resolveu começar a correr 100 m antes do ponto de onde ela começa sua corrida matinal.

E Marcelo vê... corre... atravessa a avenida com os olhos fixos nela, mais três passos e ele chega ao calçadão... mas ele, na sua corrida atrás da paixão, esqueceu que  existem semáforo... tstststs, Marcelo.

Fernando Augusto, o motorista do Gol preto, percebe o rapaz, sabe que se não for rápido vai direto pra cima dele, não há tempo pra frear... olha rapidamente pelo retrovisor e desvia... buzinando como um louco.

"Ufa", diz Marcelo e respira aliviado, quando se dá conta de que por pouco, por muito pouco, poderia ter sido atingido pelo carro.... e... passou rente a mim.

Eu disse que às vezes fico paradinha, paradinha da Silva....

Continua....

sexta-feira, 29 de março de 2013

Me movo na velocidade da luz.... mas também sei andar devagarinho. Às vezes, muito, mas muito raramente, fico parada... apenas por segundinhos. Sempre estou no lugar certo e na hora certa. Nunca chego atrasada, nem adiantada... sou pontualíssima... mais que britânica. E olha que não carrego nenhum relógio comigo. Imagina como seria se eu fosse como Londres e suas centenas de relógios públicos espalhados pela cidade.

Pedro olhou para o mar... uma última vez; depois das drogas, sua maior droga (que não é nenhuma droga) era o surf. Ele adorava surfar. Mas um dia resolveu só experimentar a onda da maconha, daí partiu pro crac e... bem isso não é história que compete a mim contar.

Olhou pro mar, tão intensamente quanto pôde, e pensou: "Se existe outra vida depois desta, só vou surfar.... se existe céu, nas nuvens vou me equilibrar, se não existe nada... então levo e seguro comigo pra todo o nada a imagem do que mais me fez feliz na vida que tive." Pronto, ele estava pronto. Definitivamente aquela era a sua hora.

Eu, passivamente, assistia a tudo do outro lado da rua.

Então, ele se jogou. Gritei: nãããããõooooo!!! Eu sempre achei que ele não teria coragem.

Ele ouviu meu grito, tentou, arrependido de ter impulsionado seu corpo para a morte, se agarrar nas grades da sacada do décimo-primeiro andar, bateu com força o corpo no décimo andar e ploft!.... sim, ploft dentro da caçamba de um caminhão de lixo estacionado na calçada (desobedecendo às leis de trânsito, por uma boa causa). Isso tudo aconteceu em milionésimos de segundo.

Acordou dezoito dias depois em uma cama de hospital. Recuperando-se das inúmeras machucaduras causadas pela queda. E uma lesão na coluna cervical um pouco acima da sexta vértebra o tinha deixado tetraplégico.

Quando não é hora, não é hora. E não adianta insistir.

Continua.....
Quer saber mais sobre mim?

Sou trabalhadora incansável...minha rotina é igual a de um canteiro de obras. Não fico parada um segundo; ao contrário, me movimento na velocidade da luz. Estou aqui, estou ali, estou lá... e de volta pra qualquer lugar. Sou insaciável, insatisfazível, mesmo. Jamais me satisfaço plenamente, sinto sede inesgotável de vida.

Pedro.... Marcelo.

Pedro, mais uma noite sem dormir. A abstinência está matando-o aos poucos. Ele prefere, ele quer morrer, mas não sabe que a decisão de morte está nas minhas mãos, somente.

Arrasta-se para fora da cama. Entra no chuveiro... "Quem sabe a água fria me dê um pouco de ânimo." Pensa com seus botões. Sim, eu leio pensamentos.

E fica lá, fica... fica... e eu só rondando. Rondo porque o ouço me chamando.

Desliga o chuveiro, enrola-se na toalha e vai para a sacada do seu apartamento no décimo-segundo andar. Lá longe, o sol dourado começa a aparecer. O mar está calmo, a brisa suave bate no seu rosto. "Era para eu me sentir animado", pensa ele. "Tenho tudo pra ter uma vida feliz... é só mais um pouco de luta e me liberto da escravidão das drogas." (É o que todo mundo diz). E ele olha ao seu redor... olha o mar, olha para a rua que já começa a se movimentar... vê pessoas andando na Beira-mar, correndo na Beira-mar.

Vê a figura atlética de um rapaz preparando-se para a corrida... ele faz alongamentos.

Tudo tão perfeito. Tão normal. "Por que me sinto tão mal?", grita, desesperado. Respira fundo, o olhar concentrado, tenso. Eu sei, ele está tomando a decisão mais difícil que alguém pode tomar: sair da vida por conta própria. Virar as costas, sair e bater a porta.

Continua....
Dia 1º de janeiro de 2025.

O sol surgiu exatamente na hora em que tem de surgir. Estendeu seus mil raios pela terra, por um lado da terra, of course, lenta e preguiçosamente. Não havia nuvens no céu. Há dias não chovia. Uma leve brisa soprava da direção do mar para a terra. O ar fresco se espalhava docemente pela cidadezinha que começava a acordar. Ia ser outro lindo dia de praia.

De uma em uma as casas adormecidas abriam seus olhos para mais um dia de vida. Joana mal sabia que seria um dia de morte.

Como de costume, pulou da cama quando ouviu Marquinhos chorar. "É minha vez", disse para Fábio, que moveu lentamente o corpo ao seu lado e voltou a fechar os olhos (pensando consigo mesmo: 'Ela se enganou')... e correu preparar a madeira, porque sabia que só assim Quinho se consolava.

Entrou no quarto do seu bebezinho querido, colocou a mamadeira sobre a mesinha no lado do berço. Pegou seu bebê amado e apertou-o nos braços. "Aproveite", pensei eu.

Como todas as manhãs, ele estava com a fralda ensopada. Colocou-o sobre o troca-fraldas, tirou o pijaminha, abriu a fralda e um cheiro bem ruinzinho tomou conta do quarto perfumado do bebê.

Fez uma cosquinha na barriga do bebê, que riu, uma risada gostosa. "Aproveite", pensei eu. Ela beijou, e beijou, e beijou a barriginha, enquanto ele dava risadas que enchiam o quarto com o som de bebê feliz.

"Vou abrir uma frestinha da janela", falou ela. Deixou o bebê por um instante, um instantezinho de nada... mas o suficiente. Eu estava aí.

O bebê agora não passava de um corpinho no chão.

Sou má.... às vezes.

Continua...
Sou leve.. sou quase imperceptível... não faço estardalhaço nenhum avisando minha chegada, não toco sirene quando estou me aproximando, nem uma banda anuncia que estou por perto, você não ouve barulhos de passos na areia, nem nos cascalhos, nem na entrada da porta de sua casa, nem nas escadas. Ãh! nunca toco a campainha... vou entrando (sou rainha, remember?).

Sim, sou sorrateira; ajo às ocultas, sem ser pressentida; faço o que tenho de fazer pelas caladas (da noite... do dia); sei ser astuta; sou matreira - chego sem ser notada, nem vista; sou velhaca, possuo toda a experiência do mundo - literalmente (existo quase desde que o mundo é mundo); sou capciosa, todo o cuidado do mundo é nada comigo; sou cavilosa, em qualquer situação do mundo, no mundo, sei usar minha inteligência (sim, sou inteligente).

Cavilosa... palavra fora de moda, mas eu não saio de moda e não existe melhor definição para a minha alma.

Sou noite sem amanhã.

Às vezes....

Continua...

quinta-feira, 28 de março de 2013

Você sabia que eu só existo porque você existe? Eu sou dependente de você. Tenho de admitir, se você não existisse, eu jamais iria existir. Acabei de sorrir. Eu sei, você não viu. Você não me vê até chegar a sua hora... às vezes demora; outras, logo, logo, levo você embora.

E de você em você vou enchendo meu reino. Lá sou rei, sou rainha. E você é só mais um... morto, completamente morto. Lá ninguém faz nem a coisa mais simples que é respirar, porque lá não há sequer ar, não que isso importe, pois lá só há morte,

Pense se é assim que você vai querer pra sempre não viver.

Continua....
Caminho devagar, não tenho pressa. Também não importa o caminho, sempre chego aonde quero chegar. Eu sou a Morte. Quando chego é pra levar.

Nunca trago nada. Ninguém me ensinou a dar; então só sei tirar. Amo o que faço. Acho até que você já percebeu. Você tem ideia da quantidade de pessoas que com a minha chegada morreu?

O meu contrário é a vida. É sempre um jogo entre nós. Um jogo de vida e morte. Eu até, às vezes, a engano, deixando-a pensar que ela tem sorte. Deixo-a por mais uns instantes, uns meses mais, um ano ou dois. Depois dou o bote... o que não me falta é sorte. Eu sou a Morte.

Minha história não é fácil de contar, mas eu juro, vou me esforçar. Você só vai ter de ter paciência, porque trabalho pesado. Olhe, olhe... há morte pra todo lado.

Também não espere que vou me dar o trabalho de o tempo todo rimar... nem de que em ordem cronológica as coisas vou contar...nem sei se volto aqui amanhã, ou depois da manhã. Mas eu volto, sempre volto. Se você quiser pode me esperar... ou não, mas que eu vou chegar, ah! eu vou chegar.

Continua....